A canção de Maria, oh deus

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Luan

O pai de Luan finalmente decidira voltar para sabe-se-lá-onde ele ficava quando não estava infernizando a vida do filho, da mãe ou dos seus funcionários. O menino ficaria livre por um tempo, para poder sair para beber e fumar. Aliás, considerando quem a velha, sua avó, era, ele poderia fumar onde bem entendesse. Agora, sim, ele estava tendo a vida que sempre quisera.

Ou quase isso.

— Acho bom você se arrumar logo, ao invés de ficar deitado nessa cama sem fazer nada. — Dona Laura entrou no seu quarto, já abrindo as cortinas e gritando com ele.

Luan franziu o cenho. Desde quando a velha agia assim? Será que havia, de repente, acordado e percebido a si mesma como uma senhora de idade ao invés de uma jovem de vinte e poucos anos participando do Festival de Woodstock? Certamente não, deveria haver algo mais.

— Calma, velha — ele respondeu, levantando apenas parte do corpo, sem se dar ao trabalho de abrir os olhos. — Ainda são seis da manhã. Nesse fim de mundo aqui, eu chego na escola em dez minutos.

— E quem disse que você vai pra escola hoje? — Foi tudo o que Dona Laura disse, já puxando o cobertor de Luan e jogando-lhe peças de roupa. — Você vai me levar pra cidade vizinha, preciso fazer umas compras.

Luan abriu os olhos, sobressaltando-se. Sua avó queria mesmo que ele faltasse aula? Realmente, Antônio, seu pai, havia feito um favor mandando-o para o fim do mundo que ele chamava de cidade. Quanto mais o tempo passava, mais ele percebia que havia recebido uma benção, não uma maldição, quando fora mandado para lá.

Sem dizer palavra ou questionar a avó, o menino apenas levantou-se, pegou suas roupas e dirigiu-se ao banheiro. Tomou um banho rápido, apenas para acordar, se aprontou, pegou qualquer coisa para comer e tampar o estômago, e saiu.

Ele que dirigiria. Dona Laura detestava ficar à frente do volante em estradas, então, infelizmente, quando saiu com o carro da garagem, era apenas a velha quem desfrutava de uma generosa dose de gin matinal. Realmente, ele morava com a pessoa perfeita. Quem diria, não é mesmo? Ainda se espantava quando percebia a sorte que possuía.

Ao chegarem na cidade vizinha, Luan teve que levar sua avó em tantos lugares, que, por volta de meio dia, não conseguia mais contar quantas sacolas ocupavam o carro preto. A velha decidira que seu neto favorito, e não apenas por ser o único, merecia um descanso e eles rumavam para uma churrascaria. Luan só torcia para que pudesse tomar pelo menos uma cerveja, era o mínimo.

Enquanto faziam o pedido de um belo rodízio — Dona Laura nunca aceitaria menos que isso, comia quase tanto quanto bebia, e bebia mais que qualquer astro de rock —, Luan pôs o celular em cima da mesa. O aparelho começou a vibrar freneticamente.

— Não vai atender? — Perguntou a velha, olhando por cima do cardápio para ver quem ligava.

Luan desviou os olhos para o aparelho. Era Lola. Não entendia porque a garota ligava. Certamente, não deveria nada urgente. No máximo, iria querer saber onde ele estava, afinal, não aparecera na aula naquele dia e há muito tempo havia abandonado este hábito.

— Não — ele respondeu com um aceno de cabeça. — É Lola, nem deve ser nada demais. — Em seguida, virou-se para o garçom, para pedir dois rodízios e a melhor cerveja da casa.

O garçom assentiu e saiu. Dona Laura pôs-se a olha o neto com uma expressão estranha, misto de curiosidade e divertimento.

— O que foi? — Ele perguntou, estranhando a atitude da velha.

— Nada não — ela disse, mas logo mudou de ideia: —, é só que é irônico você ser amigo logo dessa menina, a Maria de Lourdes.

— Por quê, velha?

Ovelhas NegrasWhere stories live. Discover now