Pronta para o combate

197 25 14
                                    

Maria de Lourdes

A sala já estava lotada, mesmo àquela hora da manhã. A proximidade das provas sempre tornava os alunos mais responsáveis, chegando cedo e fazendo as atividades. Os alunos mais inteligentes também eram frequentemente solicitados e quando Maria de Lourdes entrou na sala, Gabriel e Felipe estavam cercados por aqueles que não tinham boletins tão bonitos assim.

Os dois garotos estavam com o livro de Biologia aberto na carteira e explicavam alguma coisa para o grupo que os rodeava. A menina estreitou os olhos, procurando pelas duas garotas que sempre tiravam notas tão altas quanto as dele, porém não as viu. Elas não estavam na sala. Lola deu de ombros e procurou uma cadeira no fundo da classe. Quanto mais tempo ficasse sem ver o sorriso de Lara, melhor. E quanto mais longe ficasse de Felipe, na frente dos outros, menos triste ela ficava.

Ao contrário dos outros alunos, ela não abriu o livro de Biologia, mas sim o de Literatura. Começou a folhear, procurando pelo assunto que estavam estudando. Ela se afundou no Brasil de 1922 enquanto o resto de seus colegas tagarelava sobre genética, Mendel e como a primeira prova do ano estaria complicada.

Estava lendo um trecho do Manifesto Pau-Brasil de Oswald de Andrade contido no livro, quando notou uma pequena confusão na frente da sala. Ela estreitou os olhos tentando enxergar melhor, mas os alunos estavam muito aglomerados. Lola fechou o livro com um baque surdo e caminhou lentamente até o local onde seus colegas estavam.

De alguma maneira, ela não se surpreendeu ao ver fios negros feito carvão emoldurando um rosto incrivelmente esbranquiçado, no centro de tudo. Os olhos castanhos de Lara saltavam das órbitas e sua expressão de fúria era quase demoníaca. Os dentes dela estavam expostos, como os de um vampiro, e ela apontava com força para o melhor amigo de seu irmão gêmeo.

Os olhos de Felipe estavam vermelhos e seu rosto, muito corado. Os lábios dele estavam descorados e Lola percebeu que Felipe o mordia frequentemente. Gabriel estava prostrado ao seu lado, olhando fixamente para a irmã. O garoto estava com os punhos fechados e tentava se controlar para não avançar nela. Do outro lado, Juno tentava conter Lara, sem sucesso. Tudo o que ela estava conseguindo era bagunçar os cabelos louros e amassar o uniforme.

Lola se espremeu ainda mais entre os alunos, entrando no campo de visão de Lara. Assim que a viu, a garota começou a gritar ainda mais.

— Ela sabia e ela encobria tudo! — Lara apontava para Lola que, sem entender, só fez arquear as sobrancelhas. — Ela é tão demoníaca quanto ele!

— Eu sou o quê? — Lola perguntou, colocando as mãos nos quadris e olhando diretamente para Lara.

— Lara, calma, venha comigo — Juno interviu, puxando a amiga para trás. — Você está muito nervosa. Não está falando coisa com coisa.

— Eu não estou nervosa! — Lara gritou. — E eu sei muito bem do que estou falando!

— Engraçado — Gabriel falou, com uma voz muito controlada e carregada de ironia —, porque você só fez xingar todo mundo e gritar feito louca.

— Eu não sou louca! Ele é! — Ela apontou para Felipe com ainda mais urgência e fazendo Juno soltar seu braço. — Ele é um gay imundo e cheio de pecado!

Lola olhou de Felipe para Lara com um vinco na testa. Aquilo era novidade. Uma novidade que fazia tudo fazer sentido de novo. Ela sentiu uma pontada no peito por Felipe nunca ter dito nada. Porém, a raiva e o nojo que sentia de Lara era maior que seu ressentimento por Felipe. Sem nem lembrar da suspensão que havia levado pouco tempo atrás, ou no fato de que estava agredindo sua colega na frente da sala inteira, Lola sentiu seu punho fechar. Avançou para cima de Lara e a empurrou até a parede.

Ovelhas NegrasWhere stories live. Discover now