Pontes queimadas

213 30 0
                                    

Maria de Lourdes

Os primeiros raios de sol pintavam o céu com uma cor alaranjada. Não havia nuvens naquele início de manhã. O carro de Luan estacionou na frente da casa de Lola e a menina desceu, segurando os sapatos nas mãos. Ela cambaleava e ria um pouco. Jogava beijos para Luan e fazia biquinho para Felipe, que dormia no banco de trás.

Subiu as escadas se apoiando na parede e levou alguns segundos para conseguir abrir a porta. Ela tentou entrar o mais silenciosamente possível. Foi andando nas pontas dos pés até o quarto. Abriu a porta e entrou. As luzes estavam desligadas e as cortinas, fechadas. Nenhuma luz entrava no cômodo. Ela abaixou-se para deixar os sapatos no chão. Quando se virou, ouviu uma voz.

— Isso são horas? — Ela ligou a luz e viu a mãe sentada na sua cama, de braços cruzados. As feições severas que ela nunca tinha visto em dezessete anos de vida agora apareciam no rosto de Catarina.

Lola fechou os olhos, se preparando para a bronca.

— Olha mãe, o trabalho era bem... Ele era realmente complicado e...

— Eu não quero saber! — Catarina gritou, se levantou e avançou para a filha. — Você está de castigo! Sabe o que significa isso?

— Considerando que você nunca tinha me colocado de castigo antes... — Lola começou, contudo Catarina a interrompeu:

— Cala a boca! — Então ela encostou mais perto de Lola. — Isso é cheiro de bebida, Maria de Lourdes? — Lola ficou quieta, então Catarina voltou a gritar: — Responda! Eu te fiz uma pergunta!

— Pensei que tinha me mandado calar a boca. — A menina abafou um risinho.

— Sem gracinhas! Eu estou cheia delas! — A mãe gritou de novo, dando as costas para a filha. — Então responda a minha pergunta.

— Desde quando você se importa se eu fumo, ou bebo ou chego tarde em casa? — Lola tentou desviar do assunto. Normalmente funcionava.

— Talvez se eu me importasse você não me envergonharia tanto na frente dos outros! — Catarina deu um tapa no criado mudo de Lola, fazendo um estrondoso barulho pelo quarto. — Ainda mais na frente dos pais de Lara e Gabriel Carvalho!

Lola olhou para ela sem acreditar que era realmente a sua mãe. Catarina não era assim. Reclamava quando Lola fazia algo e a reprimia, porém, aquilo já era demais. Aquela não era sua mãe.

Menina e mulher se encaravam. Lola claramente tentando ver até onde aquilo chegaria. Catarina respirava fundo, de olhos fechados, tentando se acalmar.

— Vai ficar mais uma semana de castigo — anunciou, já se preparando para sair do quarto.

— O quê? — Lola gritou, indignada. A menina então começou a rir e atirou para Catarina: — É sobre isso que se trata, não é? Sobre o que os outros vão pensar sobre você quando me virem!

Lola gritava, sem nem pensar no que falava. Estava com raiva porque sua mãe, sem nenhuma explicação, resolvera agir como todas as outras mães: deixando seus filhos de castigo quando eles faziam algo errado. Brigar, dar broncas e reclamar porque Lola era tudo aquilo que ela não gostaria que fosse eram atitudes típicas de Catarina. Colocar de castigo, não. Ou, pior, exigir o cumprimento do castigo.

— Mais duas semanas de castigo. — Dava para perceber que Catarina imprimia grande esforço para deixar a voz num tom controlado.

Os punhos da mulher haviam fechado enquanto ela dava sua sentença. Talvez para se impedir de bater na filha.

Quando ela saiu, fez questão de bater a porta atrás de si, sem dizer mais nada.

Maria de Lourdes soltou um grito de raiva dentro do quarto e jogou-se na cama. Não conseguia acreditar naquilo que estava acontecendo. Sua vida havia se transformado num pesadelo pior do que era antes. Para piorar, não existiam príncipes em cavalos brancos vindo resgatá-la. Não havia Eric vindo protegê-la dos surtos de sua mãe ou de suas próprias decisões ruins.

Ovelhas NegrasWhere stories live. Discover now