19. A Velha Carroça [Isao]

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– Essa festa irá fracassar – falou Shimada, já mastigando um pedaço de fumo. – Estamos indo por respeito aos costumes, mas não vejo alternativa.

A colina, onde jaziam as ruínas do Templo, escondia-se na paisagem com suas cores esmaecidas pela grossa chuva que caía. Isao sentiu um calafrio percorrer sua espinha e suspirou, consciente do motivo.

Era culpado em negligenciar as obras para a reconstrução do antigo prédio. Não gozava de verba, nem de trabalhadores suficientes, mas não tinha certeza se havia se dedicado o bastante. Como idealizador do projeto, deveria empregar o máximo de esforço para que fosse concluído um templo digno do Deus Supremo. Um lugar que receberia todos aqueles que sofriam, que precisavam de amparo, que serviria como uma escola para aqueles que ignoravam a fé verdadeira.

Inseguro, pediu perdão em silêncio.

– Uma comemoração dessa magnitude sem segurança, não há como dar certo – continuou Shimada, mesmo tendo sido ignorado pelo sobrinho. – Como o Kerai espera que tudo corra bem, confiando a guarda a um garoto fraco que mal desmamou da teta da mãe? É uma afronta a quem se preocupa com a cidade! Esses desgraçados desses estrangeiros querem acabar com Uruma! – exaltou-se, concluindo o discurso com seu habitual escarro para fora da carroça.

Isao não suportava aquilo.

– Prefiro acreditar que tudo correrá bem. Aliás, gostaria de agradecê-lo, meu tio – tentou desviar do assunto.

– Me agradecer?

– Sim, por ter permitido a cerimônia para Tanaka – disse, procurando não encará-lo.

– Ah! Mais uma de suas loucuras que tive de engolir – urrou, voltando-se para fora da carroça para outra escarrada. – Por mais que não acredite, tenho respeito pelos mortos. Mesmo este sendo apenas um serviçal. O que não muda em nada o seu disparate. Quando você irá parar de ignorar minha posição em Uruma?

'Posição em Uruma?', gargalharia caso estivesse com alguma disposição para discutir. Bastava o enjoo e as dores de cabeça. Não precisava de seu tio berrando como um touro enlouquecido em seu ouvido todas as baboseiras sobre a importância de seu nome para a história de Uruma. Já tinha decorado suas palavras há algum tempo.

Preferiu ficar em silêncio, fingindo respeito, e guardando a gargalhada para um momento menos catastrófico.

– Você não deveria ter se envolvido – continuou Shimada. – Como achou por bem ir à Floresta? É um inconsequente! Poderia ter morrido só para ajudar um garoto incompetente que se acha líder da guarda.

A chuva havia aumentado e invadia a cobertura de couro da cabine improvisada. Vez ou outra, principalmente quando seu tio ignorava os buracos no caminho, o trepidar da carroça lançava sobre os dois a água acumulada na parte de cima do tecido. Tentou proteger suas roupas, já encharcadas em todo o seu lado direito, e amaldiçoou Hiromi por tê-lo convencido a vesti-las. Melhor seria se tivesse com seu surrado e confortável quimono de algodão.

– Ele é o líder da guarda, quer o senhor queira ou não. – Um dia ainda veria o tio enfiar sua arrogância entre as pernas e se submeter a Ryota como um bezerro obediente. – E esteja certo de que eu não negarei ajuda a ele, mesmo que tenha de arriscar minha vida uma outra vez – decretou, sentindo-se orgulho de suas próprias palavras.

Todos poderiam argumentar o que quisessem, mas o fato, irrevogável, era de que ele, o prematuro sacerdote da cidade, havia se embrenhado na temível Floresta Sagrada, abarrotada de bandoleiros e maldições, para socorrer o líder da guarda e seus soldados.

Fracassara com Tanaka, tinha de admitir, mas seu ato de bravura, ainda que oculto em sua parte mais heroica, seria o suficiente para estabelecer de uma vez por todas em Uruma sua imagem de destemido e benevolente. Perfeito seria se conseguisse, de forma discreta, espalhar que havia sido ele a salvar Ryota.

O Dragão de UrumaWhere stories live. Discover now