Constança quase conseguia ver tudo aquilo. Imaginava as luzes que colocaria no jardim e os serões que ali passaria a admirar as estrelas e ouvir as ondas do mar, bem longe. Seria a concretização do seu sonho de menina. Do sonho deles. E não era assim tão difícil de concretizar, era o que pensava.

Afonso, no entanto, fazia contas às despesas que tudo aquilo que ela narrara custariam. As estruturas da casa estavam podres, havia infiltrações e nenhuma telha era aproveitável. No fundo, apenas ficariam com a fachada da casa e teriam de substituir tudo o resto. Seria uma casa nova dentro de uma casa que nunca deixaria de ser velha. A mão de obra não era barata e, mais importante, nenhum deles tinha dinheiro.

-Lembro-me de tudo isso, Constança. – Ele falou. Viu-a morder o lábio carnudo e deu por si a aproximar-se mais dela. Engoliu em seco antes de continuar. – Assim como me lembro que falava em ser ladrão. Ou artista de rua. Ou fazer do skate o meu trabalho. E tu dizias que ias ser cabeleireira. Ou bailarina. Ou uma sereia. Éramos crianças.

Constança olhou Afonso. Já não o sentia tão defensivo como antes. Parecia até que falava com alguma nostalgia do tempo em que sonhavam juntos. Até o dia em que ela já não se sentia assim tão confortável para estar sempre colada a ele. O dia em que sentiu que estava apaixonada pelo neto de Maria. Uma paixão tola de adolescência que ela nunca superara. Coisas de miúda. Paixões infantis. Algo muito diferente do que sentia naquele momento, tinha a certeza. Lembrou a noite em que levaram o pequeno Santiago de volta para a sua casa. Quando se despediram, Constança teve a sensação de que ele a beijaria. Ansiava o momento em que Afonso a puxaria para si e daria o culminar do seu desejo, mas não foi isso que aconteceu. Em vez disso, ele beijou-lhe a testa e abraçou-a, como fazia sempre.

Respirou fundo. – Mas o sonho do hotel era mais sério, não achas? E concretizável.

Afonso soltou uma gargalhada. Fitou os esverdeados olhos e esperou pela continuação daquelas loucuras.

-Não é loucura, Afonso. – Constança defendeu. Sentiu uma onda do perfume dele invadi-la quando ele se aproximou e o seu peito tremeu com a gargalhada zombadora do rapaz. Segurou o muro com as mãos, arrancando alguns vestígios de musgo e continuou. – O nosso hotel podia fazer uma pareceria com a agência do teu pai. Ele aconselhava o nosso hotel e nós aconselhávamos os roteiros dele. Fazíamos um franchising com o meu pai nas noites mais movimentadas e dias de casamento para as bebidas...

Afonso encarou-a, sério, percebendo que aquele devaneio tinha sido muito bem pensado. Apenas não conseguia perceber se ela tentava manter a chama do sonho acesa ou se pretendia afundar-se mesmo naquele investimento.

-No início era apenas um negócio de família. – Ela respondeu. – Com o aumento dos lucros podíamos contratar pessoas. Tu deixavas o teu emprego sazonal como nadador-salvador e eras o nosso contabilista. Afinal, foi para exercer que tiraste esse curso, não foi?

Afonso arregalou os olhos. – Andas a pensar nisto há quanto tempo?

Constança sorriu, sentindo o calor das mãos dele nos seus joelhos. Ainda estava no norte do país quando se informou sobre os custos daquele sonho. Tinha a certeza de ter tudo organizado na sua cabeça e esperava que isso convencesse o homem na sua frente. – Fui a alguns bancos e acontece que temos certas mais-valias ao fazer um empréstimo por sermos jovens a iniciar um negócio. Por isso, temos algumas isenções nos primeiros cinco anos e, asseguraram-me que os juros estão mais baixos. Além disso, como é uma propriedade protegida pelo Estado, com valor cultural, temos ajudas da Camara nas obras, desde o reembolso do IVA em materiais de construção e outras coisas de que não me recordo agora.

Afonso estava perplexo. Devia ter um ar ridículo ao ser assaltado por todas as informações que ela despejou.

-Mas, - continuou. – não posso pedir um empréstimo sozinha. Preciso da tua ajuda. E é claro que o banco vai pedir fiadores, mas os meus pais já disseram que o faziam. Se concordares, claro.

Parou para respirar fundo e encarar Afonso, tentando perceber o que ele pensava. Mordeu o lábio e baixou o olhar, ansiosa com a demora por uma resposta. Apertou a mão dele e esboçou aquele sorriso tímido que não era nada dela.

-Não precisas de me responder agora. Eu sei que é repentino, mas o tempo em que estive no Norte deu-me a energia e motivação que precisava, entendes? Pensa no assunto.

Ele assentiu, ainda dormente com as informações.

-E podíamos dar-lhe um nome cheio de personalidade...

-Não faças isso. – Afonso interrompeu, com a voz rouca. Constança ergueu o olhar, confusa. Ele aproximou mais o corpo dela, segurando a mão dela, que tentava recuar. – Não invistas demasiado tempo num sonho e me chames para partilhá-lo contigo se tencionares abandoná-lo mais tarde.

Constança franziu o nariz, quase ofendida com as palavras dele. – Não vou desistir, Afonso. Preciso da tua ajuda porque falávamos sobre isto. A ideia do hotel foi dos dois e... - Interrompeu-se e inclinou a cabeça. – Se não quiseres podes dizer-me. Tenho a perfeita noção que sozinha não consigo, mas eu não desisto das coisas, Afonso.

-Não faças isso. – Sussurrou ele, respirando fundo. Observou o rosto corado pelo Sol e pela fúria que ele começava a provocar nela.

-Não estou a fazer nada! – Ela exasperou, erguendo o rosto para o confrontar.

Afonso achou o desafio encantador. Constança não fazia ideia de como ficava atraente quando o encarava daquela maneira provocadora. -Não venhas com conversas sobre o futuro, onde me vês a trabalhar ao teu lado num projeto que tínhamos em pequenos. Não me olhes com esses holofotes pestanudos, cor de esperança.

Constança foi suavizando a expressão, abrindo o sorriso ao ouvi-lo falar. As mãos dele subiam e desciam pelos seus braços e ele falava num tom rouco. Devagar, os dedos de Constança percorreram os braços de Afonso e ela viu como o seu rosto ficou tenso. Ele engoliu em seco.

-Não me dês esses sorrisos sonhadores enquanto me falas dos inúteis dos nossos empregos. – Uma pausa, que ele aproveitou para estudar o rosto dela. – Não me provoques com a tua ignorância simulada quando sabes muito bem que te quero beijar desde que regressaste.

O sorriso dela devia estar enorme. As suas mãos estavam suadas e escorregavam pelo muro rugoso. As suas pernas já não abanavam, como antes das palavras de Afonso serem proferidas. Constança encarou os olhos castanhos e depois os lábios moldados ao sorriso desafiador de Afonso. Ele sentia a garganta seca. Sentia o tambor no seu peito aumentar o ritmo da música e precisava desesperadamente de juntar os seus lábios aos dela. De calar aquele desafio nos olhos dela. De acabar com o sorriso zombador. Precisava de a beijar e puxar para si. Ergue-la no seu colo e segurá-la bem junto ao seu corpo como se pertencessem um ao outro.

Constança engoliu em seco. Curvou um pouco as costas para aproximar o seu rosto do dele e mordeu o lábio. Sentia-o muito perto, mas queria-o colado a si. Precisava de sentir o perfume dele nas suas roupas. Precisava que as mãos dele lhe percorressem as costas e que ele lhe despenteasse o cabelo.

-E porque motivo ainda não o fizeste? – Ela inquiriu, encarando os lábios rosados.

-O problema, minha querida Mimi, – falou com um sorriso de lado, provocador, curvando-se para tão perto que os seus narizes quase se tocavam – temo não conseguir parar quando te beijar.

Constança revirou os olhos e foi tudo o que ele precisou. Com tudo dito, lá se deu o culminar daquele beijo. Desejado por ambos. Adiado inúmeras vezes pelos dois. Um choque de vontades. Um confronto de fronteiras.

O vento quente soprava nos cabelos dela. Os lábios dele foram salgados pela brisa do mar. Os dela ainda tinham vestígios das cerejas. Afonso puxou-a para si, tirando-a daquele muro áspero demais para a pele dela. Ouviu o gemido quase impercetível quando se afastaram para tentar respirar melhor. Constança tinha o rosto corado e os olhos num estado febril. Nos lábios vermelhos bailava um sorriso e ele foi incapaz de não a beijar novamente. Constança sorriu, levando as mãos ao cabelo dele, certificando-se que desalinhava o seu penteado. Moldou o seu corpo ao de Afonso e abriu os olhos quando se afastaram novamente. Ele não se parecia nada com aquele rapazinho com quem Constança brincava quando era pequena. Ela ainda pensava nisso quando ele se curvou novamente para mais um beijo.

Constança riu. – Devia ter acreditado quando disseste que não conseguirias parar, não devia?

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⏰ Last updated: May 26, 2019 ⏰

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