08/05/2018
-Lembras-te quando falávamos em transformar aquela casa velha no fim da rua num hotel? – Constança questionou. A casa de que falava, com as fachadas dos varandins muito trabalhadas e umas colunas de mármore que pareciam sustentar a construção, parecia estar em ruínas desde sempre. Plantas trepadeiras atravessavam as paredes e infiltravam-se nas estruturas que outrora foram fortes. Uma década antes, aquela casa parecia um palácio aos olhos de duas crianças. Naquele dia, Afonso reparou, a casa parecia mais pequena. Rés-do chão, primeiro e segundo andares. Era assustador pensar na quantidade de obras que aquela casa precisava para que se tornasse minimamente habitável. Mas Afonso sabia que o que fazia aqueles olhos esverdeados brilhar eram os tetos altos que Constança imaginava no interior; eram as fachadas da casa e o terreno enorme que rodeava as ruínas. Os muros suportavam vasos de pedra que outrora carregaram flores coloridas, transformadas em poeira depois de todos os anos em que esteve vazia. – Imagino sempre o palácio do Bussaco quando penso em como a reformaria.
Afonso encarou o sorriso tímido. Constança acabara de se sentar na beirada de um muro e balançava as pernas enquanto admirava um ponto distante qualquer. Aquela mente sonhadora ainda o fascinava e Afonso quase suspeitava que ela o sabia e o seduzia com os seus devaneios, qual sereia. Com o vestido verde dançante e os cabelos soltos para qualquer vontade do vento, Constança parecia mais leve e alegre. Afonso lembrava o período um pouco mais sombrio e, orgulhoso, fitava a moça que emergiu daí.
-Lembras-te? – Insistiu ela numa voz tão doce que Afonso deixou o seu olhar cair nos lábios dela.
-O que tem? – Falou, cruzando os braços e retrocedendo um passo, tentando proteger ambos dos seus impulsos.
Constança inclinou um pouco a cabeça, contendo a vontade de soltar um sorriso zombador. Reconhecia a postura defensiva do homem à sua frente e isso era algo que a desafiava. Esticou o braço para o puxar para si e riu quando ele dificultou o seu trabalho. Afonso acabou por ceder, cerrando os dentes para não exibir o sorriso brincalhão que queria escapar. Estava a divertir-se com a complicação dela para se expressar e precisava de admitir que estar com a velha Constança o entretinha. Desde os nove anos que a pequena moça do Norte tentava impressionar o adolescente um pouco indiferente. Contudo, a presença dela tornou-se quase irresistível naquela época. E era também irresistível agora. No entanto, necessária de uma maneira muito diferente da do passado. Afonso dava por si a encarar as curvas que foram surgindo no corpo da amiga à medida que ela crescia. Dava por si a pensar nos momentos em que voltaria das aulas para casa, onde a encontraria a conversar com Maria. E, apesar do próprio ter tido as suas namoradas durante toda a sua adolescência e, mais tarde, Joana, teve de esforçar-se bastante para esconder os ciúmes quando descobriu o episódio do baile de finalistas de Constança e todos os episódios que se seguiram. Sentiu-se um pouco ignorante por ter descoberto tão tarde e pela boca de Mário. Durante um tempo, tentou evitá-la, mas era impossível com ela sempre ali, na sua casa, nos elogios da avó, na praia, na escola, no trabalho com o pai. Constança parecia persegui-lo, o que fora aflitivo na altura. Agora, angustiava quando a moça viajava em trabalho. Andou perdido quando ela fugiu para o Norte depois de terminar relacionamento com Manuel. Arriscou-se a perder algumas amizades quando quase esmurrou o nariz do amigo. Depois, ele partiu para a França em trabalho e Constança regressou.
Ela encarou o rosto de Afonso. Percebeu que ele estava perdido em pensamentos quando viu as sobrancelhas arqueadas. Depois, descontraindo, ganhou o seu habitual sorriso malicioso e Constança sorriu. Achava aquele sorriso terrivelmente irresistível. – Falávamos em restaurá-la e acrescentar construções, lembras-te? – Continuou. – O andar de baixo seria uma grande receção e eu receberia os nossos hóspedes. Depois tínhamos os quartos e, no último andar, seria o restaurante onde servíamos pequenos-almoços e jantares. Transformávamos o jardim num lugar lindo para casamentos e tínhamos noites animadas com música e espetáculos com aves...
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Made in Portugal
General FictionÉ uma casa portuguesa, com certeza! É, com certeza, uma casa portuguesa! Quando famílias dos mais variados cantos de Portugal se juntam, tudo pode acontecer. Comer. Beber. Conversar. Gritar. Apreciar. Cantar. Dançar. Uma casa nunca esta demasiado c...
