~~~Vila Nova de Milfontes~~~

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03/05/2018

O dia tinha começado estranhamente calmo. As idosas do bairro não tinham saído para conversar à janela e não havia a habitual gritaria entre o casal da casa pequena, o Jaime e a Graça. A carrinha que vendia o peixe ainda não se tinha feito notar com a sua costumeira buzina e o nevoeiro não tinha deixado a terra.

Apesar de tudo isso, a casa da avó Maria estava numa exaltação. Rita estava na sala, sozinha com a velha senhora e os ânimos estavam pesados. Discutiam sobre um pormenor qualquer do casamento da moça e não parecia que chegariam a um consenso em breve. Na realidade, nem sabiam sobre o que discutiam, a certa altura. Rita estava descontrolada porque não tinha a atenção de Maria, que se negara a continuar com a conversa e começara a dobrar a roupa que tinha apanhado do estendal mais cedo naquela manhã.

-Não vais dizer nada, agora?

A pergunta que fora feita três vezes naqueles poucos minutos. E, com o silêncio de Maria, a voz de Rita fazia-se ouvir cada vez mais. Talvez fosse por isso que a rua estava tão sossegada. As curiosas das vizinhas preferiam ficar em casa, onde as paredes finas deixavam toda a história chegar às cozinhas delas, como nas novelas. E o típico casal barulhento também gostava daqueles dias em que não era da sua casa que vinha todo o espetáculo.

-Achas que mereces uma resposta?

Rita perdia a calma. Exigia respostas e apontava o dedo à mais velha sobre toda a indiferença que sentia. Reclamava as palavras que a avó tinha sempre na ponta da língua e não recebia mais que um resmungo abafado.

Constança bateu à porta e entrou quando as lágrimas começavam a picar os olhos à morena. Rita revirou os olhos ao ver a jovem e calou-se, afastando-se um pouco. A nortenha avaliou o rosto das duas mulheres e preferiu não comentar toda a gritaria que ouvira desde que abandonara o seu carro. Endireitou a cabeça e sorriu, cumprimentando-as.

-Avó Maria, diga-me que não estou a perder a cabeça e que foi aqui que deixei aquele meu casaco amarelo.

A idosa sorriu. Pediu-lhe que esperasse e saiu da divisão para depois regressar com a peça de roupa tão estimada da jovem mulher. Rita resmungou qualquer coisa, mas ninguém se esforçou para perceber.

-Está lavado e foi passado a ferro, minha querida. Quando partes? – Maria perguntou, aproximando-se da baixa sardenta.

-Segunda-feira para Lisboa, infelizmente. Disse ao seu genro que é uma altura péssima para visitar a capital, mas os turistas querem ver a cidade que acolhe o espetáculo Eurovisão.

Rita cruzou os braços, impaciente, querendo retomar ao assunto do seu casamento, cruzando e descruzando os braços, bufando e soltando suspiros ansiosos. Constança percebeu a dica e limpou a garganta. Juntou as palmas das mãos e respirou fundo, iniciando a sua despedida com um beijo em cada bochecha de Maria.

-Onde vais, minha querida? – A mais velha perguntou, voltando para trás do monte de roupa.

-Não quero interromper a vossa conversa. Vou voltar para casa, agora que encontrei o meu casaco. A minha avó disse-lhe que o almoço no domingo é lá em casa?

Maria confirmou com um aceno de cabeça e fitou a jovem. – Não precisas de ir, Mimi. A Rita e eu estávamos mesmo a terminar a nossa conversa.

Rita riu, exasperada. – Não consigo acreditar no que estou a ouvir.

Constança cerrou os lábios e levou a mão à testa, limpando qualquer impressão que o tom usado entre as duas provocava. Aproximou-se lentamente de Maria, tentando não fazer qualquer som com os seus passos. Rita apertou uma das almofadas do sofá entre os dedos, esforçando-se para se controlar, mas ver a indiferença da avó não ajudou.

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