08/12/2017
-Querida, este fado é demasiado triste. Até para mim. – Maria falou, surgindo na sala, vendo Constança sentada na cadeira em frente à janela, observando a rua molhada.
-Está a chover, Mariquinhas. – A moça falou, não desviando o olhar. – A chover no Alentejo...
Maria cruzou os braços, permanecendo junto à porta, encarando a moça que lhe parecia mais pequena e encolhida. Lembrava-se da vitalidade dela. Não conseguia deixar de a comparar com a neta da vizinha, a Joana. Tinha namorado com o seu Afonso e, entretanto, ficara num estado tão deprimente que chegou a ficar febril. Constança não seria assim, tinha a certeza. Contudo, pensava Maria, a moça nunca escondia o que pensava, o que não era inteiramente mau.
-Então, avó... continua à janela? – Afonso perguntou, sussurrando, aproximando-se da senhora.
-Está como o tempo, meu querido. Triste como o tempo. – Respondeu Maria, virando-se para o neto. – Não consigo vê-la assim por muito mais tempo. Ela ouve os fados que falam de amores que partiram como se tivesse perdido um grande amor. Constança parece estar de luto. – A idosa sussurrou.
Afonso ergueu o olhar. – Não sei o que fazer.
Maria sorriu, pousando a mão no ombro do rapaz. – Não fazemos nada. Deixamos o tempo curar-lhe o coração, meu querido.
Constança respirou fundo, cansada de não conseguir sair do seu estado lastimável. Levantou-se, chamando à atenção dos dois à porta. Agarrou no seu telemóvel e digitou qualquer coisa. Maria e Afonso fitavam-na como se nunca a tivessem visto movimentar-se, aguardando com algum receio como se de uma espécie selvagem e perigosa se tratasse. Ela encarou-os, confusa, levando o aparelho ao ouvido, esperando. Estremeceu quando o outro atendeu, fazendo com que também eles tremessem.
-José, como está? Por acaso está na loja? – Ela perguntou, vestindo o impermeável e agarrando na sua mala. Maria e Afonso encararam-se, surpresos. – Nesse caso, vou já ter consigo. – Terminou, guardando o telemóvel no bolso das calças, passando pelos dois seres curiosos e confusos, abrindo o primeiro sorriso genuíno de vários dias.
-Constança, onde vais? – Maria perguntou, seguindo a moça.
-Trabalhar, avó Maria. Vou distrair-me com os meus turistas e ser a guia perfeita e divertida. Insistir no fingimento lá terá de resultar, certo?
Maria não soube o que lhe responder. Viu-a agarrar no guarda-chuva e abrir a porta, saindo.
-Vens almoçar?
Constança negou. – Vou ver onde anda Sara com os turistas e parto ainda hoje, se o José quiser.
Afonso sorriu. Aproximou-se da moça, sentindo os pingos da chuva começar a molhar o seu rosto. – Boa viagem. – Falou, beijando-lhe a testa depois do abraço.
Ela sorriu. Afastou-se, acenando aos dois e virou-se para os encarar uma última vez. – Até já!
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-Apresento-vos a Serra da Estrela! – Constança falou, virando-se para os turistas. – A serra mais alta de Portugal continental. A sua paisagem e envolvência natural são únicas e as experiências que nos proporciona são fantásticas. Garanto-vos que a Serra da Estrela é um destino recheado de historias que inspiram!
Constança deslizou o fecho do seu casaco almofadado até esconder o pescoço e colocou as mãos nos bolsos. Sorriu para os avós, que seguiam atrás de si,junto com os turistas, e observou Sara a conversar com o motorista. Deixou que os estrangeiros se aproximassem e aguardou que tirassem algumas fotografias para continuar.
-Nesta época do ano, muitos visitam o interior do país. Tivemos sorte por não terem fechado as estradas. Noutros anos, a neve seria tanta que não conseguiríamos chegar aqui. Mas devem ter ouvido falar dos grandes incêndios que assolaram Portugal este ano. O clima está virado do avesso...
-Mas é o ideal para visitar. E, pelo menos, já temos um gostinho da neve. – Sara complementou, aproximando-se.
Constança assentiu, vendo a colega guiar os clientes para o Museu do Pão. Conceição aproximou-se, sorrindo à neta e Alberto esfregou as mãos uma na outra, aquecendo-as. – Fez-te bem vir, Mimi.
A moça beijou a avó na testa e apertou-a contra si. - Esperemos que não seja sol de pouca dura.
-Ainda não me tinha mentalizado que vínhamos para a neve! – Confessou o avô, apressando-se a entrar no quente e aromático estabelecimento.
Constança riu e seguiu-os.
-O Museu do Pão tem como objetivo reconhecer o pão português como património do nosso país. Seja pela vertente histórica, como ecológica e, mais interessante ainda, a perspetiva mitológica. – Sara falava num tom aliciante, deixando os turistas fascinados com as pequenas peças de arte que constituíam o espaço.
Dois empregados do Museu aproximaram-se, dando seguimento à visita, que tomaria uma hora e meia do dia, e Constança e Sara ficaram para trás, conversando com os conhecidos que fizeram com o tempo.
-Decidiste que precisas de trabalhar para viver, Constança? – Sara perguntou, sorrindo para Carlos.
A moça conteve-se de revirar os olhos e cruzou os braços. – Vim ajudar-te, Sara. O senhor José receou que não conseguisses dar conta do recado.
Sara bufou. – Se eu alguma vez precisei de ajuda...
Constança não respondeu, dando por encerrada a conversa. Afastou-se da colega e fingiu-se ocupada com o telemóvel, aguardando o regresso dos turistas.
-O que acham de almoçarmos em Manteigas? – Sara inquiriu num tom alegre, sorrindo para os clientes que regressavam. – Ou, como se diz em inglês: "Butters".
Constança abanou a cabeça, sorrindo com o trocadilho. Indicou aos turistas que a seguissem, de volta para o autocarro, e pediu ao motorista que os levasse para a região aconselhada por Sara.
-Qual é a ementa que recomendas? – Alberto perguntou com o seu habitual humor esfomeado.
Constança fingiu pensar e, depois, sorriu ao responder. – Sopa de abóbora, febras de porco em vinha d'alho e, para sobremesa, requeijão com doce de abóbora. Parece-te bem?
-Parece-me ótimo. – Ele falou, concentrando-se na vista.
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Made in Portugal
General FictionÉ uma casa portuguesa, com certeza! É, com certeza, uma casa portuguesa! Quando famílias dos mais variados cantos de Portugal se juntam, tudo pode acontecer. Comer. Beber. Conversar. Gritar. Apreciar. Cantar. Dançar. Uma casa nunca esta demasiado c...
