~~~Portimão~~~

48 6 5
                                        


20/07/2017

-Então, querida, está na hora de enterrar esse relacionamento com o Manuel! – Mariana falou, puxando o cobertor que cobria o corpo de Constança. – Não gosto nada de te ver assim, Mimi. Está um dia tão lindo... há quanto tempo estás agarrada a esse comando, filha?

Constança gemeu ao ouvir a mãe. Fechou os olhos quando Mariana afastou as cortinas, deixando o sol de verão entrar na sala. Arrancou o comando da televisão das mãos da filha e desligou a televisão, que passava um filme deprimente qualquer sobre um casal melancólico.

-Já chega! Ou me ajudas a limpar a casa ou vais sair... dar uns mergulhos, ir até à casa da Maria, não quero saber. Só quero que saias desse maldito sofá!

-Mãe!

Mariana parou para encarar Constança, lançando-lhe um olhar zangado. – Não vou deixar que ganhes raízes nesta sala, Maria Constança! Levanta-te e vai tomar um duche. E dá graças ao negócio pausado do Zé ou estarias desempregada!

-Melhor desempregada que...

Mariana agarrou o braço de Constança e obrigou-a a levantar-se. – Ai de ti se começas a ser como essas miúdas cheias de autopiedade, ouviste-me bem? Já nos chega a Joana. A vizinha diz que foi internada por se ter tentado matar.

Constança revirou os olhos. – Não devias acreditar no que a Lurdes diz.

-A ser verdade, é melhor que faças alguma coisa pela tua saúde. A Teresa anda preocupadíssima com a tua ausência e a Madalena também pergunta por ti, de vez em quando. Ainda chamo a avó Maria para ter uma conversa contigo! – Mariana ameaçou, guiando a filha até à casa de banho. – Não penses que o tempo de levar umas boas palmadas já lá vai, Constança!

A jovem bufou, fechando a porta da casa de banho e abrindo a torneira. Fechou os olhos com força ao ouvir a música num volume elevadíssimo. A sua mãe estava a forçá-la a sair da sua bolha a todo o custo, mas aquela não era a música mais indicada. Tirou a roupa num piscar de olhos, apenas querendo deixar de ouvir a cantiga que o rádio cantava sobre um casal qualquer, assolado por uma paixão avassaladora. E sobre um gato.

Ao chegar ao seu quarto, revirou os olhos ao ver a roupa que a sua mãe escolhera para ela usar, em cima da cama. Mordeu o lábio e respirou fundo, forçando-se a não esmurrar nenhuma mobília.

-Vou ao mercado! – Gritou, batendo a porta para cortar o som do aparelho irritante. Mariana despediu-se, dançando enquanto limpava o pó das madeiras, dizendo-lhe para aproveitar o sol.

Constança cruzou os braços, maldizendo a sua vida. Não imaginava ter de viver com os seus pais aos vinte e cinco anos. Não era mau de todo. Ela fazia questão de não ser um empecilho na vida deles, contribuindo para as despesas da casa com o seu salário. Mas sentia falta de alguma independência, especialmente quando só queria ficar estendida no sofá por sete dias seguidos.

Colocou os fones nos ouvidos e desceu a avenida em direção ao mercado. Sentia os olhos molhados conforme ia caminhando à beira mar, ouvindo a voz da fadista que invadia a sua mente. Desviou-se de uma criança de bicicleta e limpou os olhos, rapidamente. Sentiu a garganta seca e o peso no seu peito regressar. Arrependia-se de ter saído de casa para um lugar tão público. Tirou da mochila, que levava às costas, uma garrafa com água e bebeu um gole. Levou a mão ao cabelo, afastando-o dos olhos e viu, uns metros à sua frente, o rosto de Afonso, a sorrir-lhe. Observou-o numa corrida até à sua beira e libertou os seus ouvidos dos fados deprimentes.

-...Constança! A minha avó chateia-me a cabeça para passar lá na tua casa e ver como estás, mas sabes como é... - Constança apenas ouviu metade da conversa. Acenou com a cabeça e forçou um sorriso.

-Podes dizer-lhe que estou viva e que não precisa de se preocupar. – Respondeu, baixando o olhar.

Afonso passou o peso do corpo de uma perna para a outra, levando as mãos aos braços da moça na sua frente e acariciando-os. – Sabes como ela é teimosa. Acho-vos terrivelmente parecidas, se queres que te diga.

Constança mordeu o lábio e encolheu os ombros, arregalando os olhos ao sentir-se puxada contra o peito de Afonso. Viu-se imersa no seu abraço e demorou a reagir. – Afonso, estás bem? – Perguntou, levando as suas mãos às costas dele.

Ouviu a gargalhada baixa do rapaz e sentiu os dedos dele no seu cabelo. – Tu é que não estás e ainda perguntas por mim?

Constança sentiu o seu corpo relaxar com o aperto do rapaz uns vinte centímetros mais alto. Fechou os olhos e soltou o ar que não tinha reparado estar a prender. – Vocês preocupam-se demais. Eu estou bem!

-Claro. – Afonso disse, afastando-se.

Constança cruzou os braços, sentindo falta do calor reconfortante. – Já passaram dois meses, Afonso. Ninguém fica...

Ele interrompeu-a. – E eu espero que eles não se transformem em dois anos.

-Estou bem. – Ela insistiu.

Afonso abanou a cabeça e beijou-lhe a testa. – Vais ficar. – Depois, agindo como se tivessem contado grandes anedotas, acrescentou. – O jantar é na minha casa.

Constança recusou, abanando a cabeça repetidas vezes, vendo-o abrir um sorriso.

-Diz aos teus pais para virem. Sabes que ninguém consegue dizer que não à avó Maria, não me obrigues a fazê-lo.

Constança mordeu o lábio, observando-o a aguardar pela sua resposta. Baixou os ombros e bufou. – Eu só queria ter ficado no sofá.

-Vá lá, Mimi. Traz a sobremesa! – Falou, virando costas, recusando-se a despedir-se. Ela ficou a vê-lo correr até o caminho para a praia e respirou fundo, entrando, finalmente, no mercado. O objetivo daquela saída, afinal. E não retornaria a casa apenas com uma alface, estava visto.

🌊 🌊 🌊 🌊 🌊 🌊 🌊 🌊 🌊

Made in PortugalOnde histórias criam vida. Descubra agora