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A garrafa já está quase na metade quando o barulho do chuveiro finalmente cessa. Trato de enfiar a caderneta de volta onde foi achada e dou uma ajeitada no cabelo para parecer razoável. Em seguida me amaldiçoo mentalmente por querer ficar bonita, não é como se eu tivesse a intenção de seduzir alguém.

Pedro sai do banheiro alguns segundos depois, seguido por uma neblina de aroma perfumado. Ele tem uma toalha enroscada no quadril, e a outra esfrega despretensiosamente os cabelos úmidos. Ele não olha para o sofá onde estou. Distraído, segue direto em direção ao frigobar. Se inclina para pegar alguma coisa lá dentro. Gotículas de água escorrem do cabelo preto para as costas, fazendo chover na sua Los Angeles de pele e tinta.

— Procurando o uísque?

Pedro dá um salto tão alto que me arranca uma gargalhada, bate a porta da geladeira com tanta força que as garrafas de cerveja tilintam lá dentro.

— Porra, que susto! — Ele esfrega o rosto, correndo a mão até os fios negros molhados. Sua voz é áspera ao prosseguir. — Que merda você tá fazendo aqui, tiete?

Talvez eu tenha exagerado um pouco na bebida, ou mergulhado fundo demais no caderno, porque esperava o Pedro das metáforas e da poesia, mas nunca sei onde esse Pedro se esconde quando o cavalo grosseiro resolve dar as caras.

— O festival não é só seu! — Viro um gole e puxo os pés que estavam apoiados na mesinha de centro. — Vim assistir as outras bandas.

— E elas iam tocar dentro do meu camarim? — Levanta uma sobrancelha.

Eu hesito por um instante.

— Ah... isso... — Ergo os ombros e viro a garrafa entre os lábios. — Acho que uísque importado é o mínimo de crédito que eu mereço se você vai transformar tudo que eu disser em músicas e dinheiro.

Pedro umedece o lábio e sacode a cabeça, depois puxa um maço de cigarros da mesa.

— Pensei que tivesse te dado os devidos créditos lá no palco. Até dediquei uma música no seu nome. — Ele prende o cigarro entre os dentes, em seguida pega o isqueiro.

— Você nunca disse meu nome — ressalto. — Você me chamou de "tiete", o que eu já pedi um milhão de vezes pra parar de fazer, e depois me acusou na frente de umas cem mil pessoas de ter ido pra Vegas com seu dinheiro.

Tento soar irritada, mas a minha voz insiste em sair embargada e bêbada.

— E eu falei alguma mentira? — Puxa um trago. Abro a boca para rebater, mas acabo fechando-a sem dizer nada. Pedro solta um riso seco e mal humorado. — Manda lembranças pro seu namorado. Espero que a transa na suíte presidencial que eu paguei tenha valido a pena.

— Em primeiro lugar, o Thomas não estava comigo. Eu fui pra Vegas com a Sarah e a Bê, mas você já sabe disso, porque foi correndo investigar a fatura do hotel. — Viro os olhos. — Em segundo lugar, ele não é meu namorado. A gente terminou.

Não o encaro diretamente, mas noto o sorriso que entorta os lábios finos.

— Sinto muito — fala com sarcasmo. — Foi o lance da cueca vermelha perdida? Ou ele só não suportou ver a cara de prazer que você faz quando tá comigo?

Eu bebo outro gole e deixo um suspiro longo escapar. Não sei se Pedro só está provocando, ou se realmente acreditou que eu achei a cueca de outro cara no meu apartamento. Por via das dúvidas, acho importante esclarecer de uma vez por todas:

— Nunca teve nenhuma cueca vermelha perdida.

— O lance da sua cara de prazer, então. — Pedro ri, recostando-se na parede. — Acho incrível que o paparazzo tenha conseguido capturar o momento exato do seu orgasmo.

Ninguém mais que nós doisOnde histórias criam vida. Descubra agora