24

6.7K 869 522
                                    

A gravadora fica num gigantesco arranha-céu de vidro espelhado em Hollywood, não tão longe de onde ficava o meu antigo emprego. Do lado de dentro, todas as pessoas parecem estar acostumadas com a magnitude do lugar e sabem muito bem para onde ir. Eu estou perdida e nervosa.

O cartão de visita aponta para vigésimo andar, o que não ajuda, porque odeio elevadores e o meu medo se agrava quando estou nesse estado de nervosismo. No instante em que as portas de aço se fecham, eu sinto como se as paredes começassem a se fechar em volta do meu corpo.

Em Santa Barbara quase todos os lugares eram acessíveis por um ou dois lances de escada. Não tínhamos prédios desse tamanho.

Só volto a respirar normalmente depois que as portas se abrem.

Um grande letreiro luminoso anuncia que eu cheguei ao lugar certo. "Club Records". O chão é de porcelanato, as paredes de tijolo são decoradas com discos de ouro e fotografias dos principais artistas da gravadora. Inclusive, é claro, da estrela mais reluzente da Club Records: Pedro Loth e sua amada French 75.

Eu me distraio observando o retrato, cada traço do maldito rosto que conseguiu ficar ainda mais bonito com os anos. Por que é que ele não podia ter definhado como aquelas pessoas na embalagem do cigarro? Isso tornaria a tarefa de odiá-lo muito mais fácil.

Um pedaço meu deseja nunca mais precisar vê-lo de novo, outro pedaço inconveniente meio que anseia trombá-lo por esses corredores.

— Pelo visto já está se familiarizando com o local — é Ian quem surge da ampla porta de madeira, me pregando um susto. Levo a mão até o peito.

Meu chefe veste um jeans largo demais, camiseta e uma jaqueta de moletom. O visual parece bem mais confortável do que elegante, nada a ver com o CEO de Armani que encontrei numa festa semana passada.

Tudo aqui tem um aspecto descolado. Começo a questionar a minha decisão de vestir uma blusa de cetim e saia lápis. Ian se aproxima do vidro e abre a persiana, revelando uma linda vista de Los Angeles.

— É muito bonito aqui — admito.

— Que bom que gostou, porque você vai trabalhar bem aqui. — Ele bate no tampo do balcão da recepção, que fica de frente para os elevadores. — Pode ficar a vontade, você logo pega o jeito. A Giovana já já aparece para te ajudar.

— Obrigada.

***

Giovana é uma ruiva baixinha e meio pilhada, mas muito gentil. Ela me explica as atribuições rapidamente, antes de sair correndo de novo para resolver um problema qualquer com o contrato de um novo artista.

Basicamente o meu trabalho se resume a servir cafézinho, atender o telefone, agendar compromissos e dizer "me desculpe, o senhor Thorne está muito ocupado e não pode falar com você agora". Isso me deixa com tempo de sobra para ouvir música no streaming e zapear pelas páginas da internet.

O ócio me leva a pensar outra vez em Thomas. Ainda não estamos nos falando, e essa deve ser a nossa briga mais longa. Eu odeio que ele ainda não tenha ligado porque pensa que está na razão, ele não está na razão. Tudo o que eu precisava era do meu namorado lá para mim em um dos piores momentos que eu já vivi, e ele não esteve lá para mim. Ele nem sabe sobre o Bertrand e sobre as merdas que eu precisei escutar do meu antigo chefe.

Bertrand. O nome dele volta como um golpe no estômago. Entro no YouTube para distrair a cabeça com uma transmissão ilegal de Programa de Proteção à Princesa. Ainda bem que existem os clássicos da Disney.

Fecho a janela rápido ao ouvir a campainha do elevador chegando no andar. Giovana surge com os saltos estalando no piso frio e o celular pendurado na orelha.

Ninguém mais que nós doisWo Geschichten leben. Entdecke jetzt