🌊 Mar Revolto 🌊

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Chove lá fora, e eu não te tenho mais aqui

Uma vez tu dissestes que a saudade é a tempestade que fecha o verão, hoje eu sei posso concordar.

O farol foi demolido em prol da construção de um quiosque, não de maneira repentina, pois, já estava nos planos da prefeitura de Paraty há quase dois anos, talvez por ter chegado há pouco tempo, não sabia.

Dois meses se foram sem que eu voltasse a vê-los: farol, mar e Benjamim. Agora eu apenas sofria queimando os pesares de uma paixão ardente. Não houve um dia em que não o procurei. Não houve um dia em que não o esperei. Por trinta dias, até que comecei a cogitar a verdade e por fim aceitá-la. Ele não mais voltaria. Eu nunca mais voltaria a ver o Benjamin.

Mas quem era Benjamin? Benjamim não existia? Era fruto de minha imaginação? Apenas sei que nada sei.

Os outros dias se passaram tão mornos, calados, às vezes frios e frívolos. Não mais conseguia alimentar-me como antes, não possuía disposição para trabalhar ou me banhar, mas mesmo assim tudo fazia, como a mais cansativa obrigação de um domingo preguiçoso.

Organizando o baú velho que ficava no corredor entre meu quarto e o de minha avó, encontrei aquilo que me seria refúgio nos próximos meses

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Organizando o baú velho que ficava no corredor entre meu quarto e o de minha avó, encontrei aquilo que me seria refúgio nos próximos meses. Um livro velho e empoeirado que perecia ter sido deixado de lado há muito tempo. Seu título, apesar de quase apagado, me era muito chamativo "Mar absoluto e outros poemas" . Provavelmente Cecília Meireles iria me tirar dessa agonia. O folheei de relance e um pouco de pó voou sobre meu nariz me fazendo espirrar. O espirro fez com que o livro caísse ao chão exatamente em uma página, que além de seu texto natural, continha uma curta dedicatória que em simples dizeres se manifestava:

"Com muito amor e carinho, de seu amado pai, para ti minha querida Helena."

Este livro havia pertencido a minha mãe e foi lhe dado pelo meu avô. Mas, o que exatamente estava fazendo aqui dentro deste velho baú de coisas velhas na casa do Tio Mário?

Procurei por vovó por toda casa, que agora me parecia um labirinto. Da janela de seu quarto, pude vê-la sentada em um tamborete na varanda folheando o jornal, hora ou outra acertava o óculos que insistia em querer seu rosto deixar. Desci as escadas tão veloz quanto uma lebre voraz. Rapidamente passei cruzando a cozinha aos tropeços, diminuí o compasso à medida que me aproximava da varanda.  Assim que a avistei me aproximei lentamente como uma tartaruga, caminhando na pontas dos pés, mas ofegante como se tivesse disputado uma maratona. Apoie-me à mureta envernizada. Tudo estava tão quieto. Por alguns segundos me pus a apenas observá-la. Tudo Continuou silencioso até que Vovó percebeu a minha presença.

— Bom dia mocinha. Fico feliz que saiu enfim daquela escuridão sem motivos em que se encontrava. —, disse fechando o jornal e se ajeitando naquele móvel que mal lhe cabia.

— Estava organizando o velho baú e acabei encontrando isso. —, mostrei-lhe o livro.

— Ou será que foi ele quem te encontrou. —, esboçou aquele velho sorriso delicioso de vó. — Está tão velho. Sua mãe o amava tanto. Sabe que ela ganhou esse livro quando fez quinze anos? Morávamos em uma grande fazenda, Vista Bonita, em Mariana lá em Minas Gerais. Você sabia que a gente já morou em Minas?  —, balancei a cabeça em negativo. —Heleno cuidava da sede e Rosalinda era apenas uma menina correndo descalça pelo pomar. —, gargalhou saudades. — Um rio lindo cortava a estrada e tinha uma represa maravilhosa onde ficavam alguns patinhos. Os sapos... O sapos namoravam na beira daquela represa. Helena e Rosalinda em suas serelepagens amavam levar os girinos pra casa, diziam que iam cuidar, quando eu descobria, as fazia devolver, claro. Havia uma bonita ponte onde sua mãe escrevia poemas. Como você ela também amava estar em contato com a natureza. Poetizava sobre a Natura, especialmente sobre o mar, mas nunca havia se quer o visto. Então quando fizemos uma polca pro seus quinze anos seu avô deu-lhe este livro que comprou numa velha livraria do centro. Mais tarde nos mudamos pra Macaé, foram tempos difíceis, mas Helena estava tão feliz em estar tão próxima do mar e o seu sorriso de alegria combinava perfeitamente com a minha felicidade de vê-la feliz e dos problemas eu me esquecia, mesmo que por alguns minutos. Depois seu avô comprou aquela casa em Paraty e vivemos em melhor situação dali pra frente. Helena se apaixonou por Arthur, dois apaixonados pelo mar. Seu pai era um ótimo biólogo marinho e sua mãe ficou encantada, se casaram no rancho do seu avô paterno, Danilo, ele foi comandante da Marinha brasileira, um grande desbravador narval. Depois sua mãe sofreu aquele horrível naufrágio, perecendo, seu pai nunca mais conseguiu ser o mesmo. Dias de dores. Quando eu decidi doar as roupas e os pertences dela, eu encontrei esse livro na gaveta. Arthur fez questão de o jogar fora, aquilo feriu tanto Heleno... Não consigo imaginar como este livro, este exato livro que estou vendo agora, com meus olhos, toco o tato, e é real, veio parar aqui.

OCEANO EM SEUS OLHOSWhere stories live. Discover now