🌊 entre uma onda e outra 🌊

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Eu estava arrumando a minha mala quando Sophia entrou sem avisar, como sempre fazia. Era seu costume mais desacostumado.

— Vou sentir sua falta. —, me deu um abraço por trás. Ela amava fazer isso. — Minha dengosinha.

— Nunca pensei que fosse gostar tanto de você. —, respondo enquanto acertava os últimos detalhes.

— Engraçado... A gente cresceu tão distante né? E agora eu me sinto tão conectada a você. Isso é tão bonito. Não acha?

— Você está chorando? —, pergunto-lhe sorrindo sorrisos.

— Eu nunca falei, mas eu sou emotiva tá. —, limpou as lágrimas em sorrisos vergonhosos. — E meio desesperada também.

— Eu vou voltar pra ver vocês sempre. Você sabe que eu não posso ficar sem vocês. —, respondi abraçando-a. — Não vivo mais sem sua mania de intrometer, sem os conselhos da vovó, sem o sorriso da Tia Rosa, sem as pescas com Tio Mário. Simplesmente não vivo.

— Pode levar aquele pijaminha meu que você gosta de usar; ta? Bom que você guarda de lembrança pra você. —, ela estava realmente sensível.

— Ele sempre ficou melhor em mim mesmo. —, tentei quebrar o clima tristonho que estava lentamente tomando conta do ar.

— Vamos nos falar pelo MSN todos os dias, ouviu?

— Siiim.

Rimos.

— Vamos. Eu te ajudo com as malas, minha pequena sonhadora.

Fomos todos de carro até a rodoviária. Estranho, o clima estava tão esquisito que eu nem mesmo consigo descrever. Havia preocupação, medo, mas também felicidade e vibração. Estar na rodoviária de Paraty acabou me remetendo ao dia que cheguei aqui. Eu estava tão desanimada e sem motivação alguma. Introspectiva nas minhas convicções. Como se eu estivesse chegando num pesadelo. Eu me lembro de chorar, querendo ir embora, mas não tinha coragem de pedir isso pra vovó com medo de aparecer egoísta. Provavelmente a Cecília que chegou em Paraty não teria coragem de estar agora partindo dessa forma, sozinha para o mundo. Eu tinha medo dessa cidade quando cheguei e devo dizer que ainda tenho, mas foi aqui que as coisas mais incríveis me aconteceram.

Depois de um calorosa e tristonha sessão de abraços, perdi-me no colo de Vovó.Eu poderia passar a vida em seus braços sentindo-no. Era duro deixá-la assim, e meu coração se partia, mas eu só precisava ir. Dei-lhe um beijo na sua bochecha e me preparei pra entrar no ônibus.

— Não esquece de nos telefonar. —, Tio Mário me deu um daqueles abraços apertados que só ele sabe dar.

— Eu não vou esquecer. —, respondi sorridente. Eu estava segurando a barra. Sorria, mas estava totalmente apreensiva. — Eu prometo.

— Te cuida minha filha. —, Vovó disse acariciando meu rosto com sua mão quentinha uma última vez antes deu entrar na fila da passagem. Então eu me senti um pouco mais calma. Eu nunca em toda a minha vida havia me separado dela. Estivemos sempre e sempre juntas.

Eu sabia perfeitamente que ela estava se segurando, mas eu pude ver que assim que entrei dentro do ônibus ela se virou para chorar. Ela não queria eu vesse aquilo mas ela sabia que aconteceria, e eu também sabia. Me deu uma vontade absurda de sair correndo dali de volta para os seus braços, mas como eu já disse, eu precisava fazer isso. Sentei-me num banco qualquer, eu nunca me atentava a esse tipo de coisa, sempre viajava em qualquer banco. De preferência o que na minha cabeça parecesse o mais confortável de todos. Nunca decorava meus números. Eu estava segurando o potinho com um bocadinho de areia dentro. Eu havia feito este potinho quando fomos embora de Búzios. Aquela seria a minha lembrança de tudo aquilo. Me ajeitei meio que de qualquer modo. Eu odiava viajar em ônibus de bancos curtos como aquele. Coloquei a bolsa de baixo dos pés a acertei as costas no lugar certo abaixando um pouquinho aquele banco. Uma tentativa frustrada de tentar encontrar algum conforto e me esquecer das lágrimas de vovó. Tudo era tão emotivo. Fechei os olhos imaginando como poderia ser São João del Rei. Imaginei casas e morros, rios e montanhas, sinos e pontes. Acho que cochilei por algum momento, pois pra minha surpresa quando leve despertei o ônibus já estava em curso e um rapaz estava sentado do meu lado. Olhei a paisagem lá fora, como sempre. Ah, me deu um aperto no peito, uma saudade e um suposto arrependimento.

— Te atrapalhei? —, disse o rapaz levantando o boné que cobria-lhe os olhos.

— Não... Eu só... —, falei me ajeitando. — Eu só acho que me perdi por um tempo.

— Normal. —, ele sorriu tímido. — Eu faço isso, tipo... O tempo todo, bah. —, aquele sotaque. Com certeza ele era sulista. — Eu trouxe um travesseiro extra. Você quer? —, gentilmente ofereceu.

— Eu quero sim. —, sorri agradecida. — É estranho aceitar as coisas de pessoas que nem se sabe o nome. —, falei ajeitando o travesseiro ao meu corpo.

— Não seja por isso. —, tinha um semblante galanteador. — Eu sou o Miguel. —, estendeu a mão para um cumprimento. Prazer. —, exibiu um sorrisão, mas eu não vi direito, não queria encarar demais. — E você?

— Sou Cecília. —, meio cabisbaixa estendi a mão também apresentando-me.

— Eu venho de Gramado e estou indo pra São João Del...

Nem sei se vou conseguir descrever, mas quando nossas mãos se tocaram alguma coisa floresceu dentro de mim. Uma sensação de preenchimento em cada partícula da minha essência. Uma carga elétrica devastadora percorreu todo o meu corpo. A palma da sua mão era levemente áspera e seus dedos eram tão masculinos. Senti algo tão íntimo. Uma conexão tão linda invadindo cada veia que possuo e por ventura, assim sendo, estava possuindo meu fluxo sanguíneo, que fervia. Finalmente levei os meus olhos aos seus olhos. Suas sobrancelhas grossas, seus cílios curtos, olhos castanhos, seus lábios carnudos, aquela cicatriz na sua testa larga e seu maxilar marcado. Não se parecia com nada que eu tivesse visto antes, mas nos seus olhos, lá dentro eu senti uma coisa tão diferente que tive arrepios e calafrios incessantes. Eu nunca o havia visto, mas ao tocá-lo senti que já o conhecia.

— Que estranho, bah. —, ele falou um pouco retraído. — Parece que eu te conheço de algum lugar. —, e cemicerrou os olhos. — Parece que já te conheci... O toque das tuas mãos. Que conexão! Essas coisas é meio raro de acontecer. —, gargalhou alto. Todas os outros passageiros nos olharam incomodados. — Olha só, me arrepiei todo. Que loucura! — ele estava incrivelmente abismado e apaixonado. Tinha um jeito falante, fora de tom e um pouco desengonçado.

Eu não posso dizer como a minha cara estava, mas eu posso contar o que eu disse. Eu disse: — Que bom que estamos indo pro mesmo lugar. Eu estava pensando em dormir com a boca aberta a viagem toda e agora podemos conversar e...

— Na verdade eu consegui um trabalho lá e estou vendo um jeito de começar a morar por lá agora... E... Isso é incrível. Sabe, eu gostei muito de te encontrar. Você parece trilegal.

— Isso é incrível... Mas é tão longe de Gramado... Quer dizer é... O que você faz? —, não queria parecer uma curiosa, mas eu estava realmente fascinada.

— Eu trabalhava como mototaxi, mas há dois anos eu acabei sofrendo um acidente e... E sabe eu... Guria eu morri, sabe?... Eu fiquei em coma por quase dois anos e olha só... agora eu estou aqui e conversando com você. —, ele lacrimejava alegria em  e tinha um sorriso bobo estampado no rosto. — Isso não é incrível? Cara é a coisa mais incrível que já se passou na minha vida... Sabe?

— Eu nem mesmo sei o que dizer. Caramba! —, meu coração estava tão aquecido. — E isso faz muito tempo? Eu falo... Desse milagre de acordar e...

— Fazem sete meses. —, respondeu numa alegria que só. — Eu senti uma vontade absurda de viver, de me apaixonar, de viver novas aventuras, de experienciar novas vivências, de viver minha história de amor, de encontrar uma coisa que parece que eu tô sempre procurando. Uma coisa que me deixa inquieto. Uma coisa que eu sempre quis e sei preciso disso. Eu não podia me dar por vencido. Que bobeira! Eu estou falando disso pra todo mundo, mas tipo... Eu me sinto tão... Xi, olha quanta coisa eu já falei em pouco tempo com você. Até o fim dessa viagem você vai ter se cansado de mim e não vai querer ver essa minha cara nunca mais, mas cara eu...

Então entre uma onda e outra eu o encontrei de novo. Eu sabia disso. De outro jeito, mas ele estava aqui como havia prometido. Eu o achei ou ele me achou, ou nós nos achamos.

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⏰ Last updated: May 05, 2021 ⏰

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