🌊 pelas ondas vazias, lendas sombrias 🌊

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Entre uma folha e outra, talvez algumas menos lidas que outras, me perguntava como Victor Hugo conseguia me fazer viajar tão longe nas aventuras de Gilliatt e sua ilha maravilhosa, no meio de todo o turbilhão em que eu me encontrava. Em outros tempos, estaria inquieta numa viajem pela minha criatividade em busca de alguma solução pra explicar o sumiço das cartas, mas agora, de fato, eu apenas esperava que o próprio Benjamin aparecesse com as respostas. "Os trabalhadores do Mar" havia sido um presente de papai, de muito tempo atrás. Haviam poucas coisas sobre ele que ainda estavam em mim, pois, por algum motivo quando ele se foi, de alguma forma, eu quis me livrar de tudo que me lembrava sua existência, isso me feria, mas me feria mais ainda tentar entender os motivos por ele não estar mais aqui.

Olhando aquelas páginas amareladas; os detalhes marinhos; vestígios da fome colossal das traças e sua capa dura já mole pelo descuido do fundo de uma gaveta qualquer, minhas ideias foram remetidas para quando toquei nesta incrível aventura pela primeira vez com minhas mãos ainda primárias, que hoje vibram as forças que sustentam minha fé: havíamos ido com titia Rosa e Tio Mário em uma viagem pela costa marítima do nordeste. Me lembro de irmos a um arquipélago de cavernas submarinas; tive medo, no entanto depois de muito relutar acabei me permitindo; me lembro de correr atrás das gaivotas e que Sophia e eu encontramos ovos de tartarugas, planejávamos ficar vigiando os ovos pra que nenhum predador natural os viesse devorar, todavia, no entanto, não ficamos por lá dias suficientes, mas queira Deus que estes bebês estejam bem hoje em dia. Sophia ficou chateada e éramos ainda tão infantis, mas já nesta época o sorriso em seus lábios me encantava. Sempre leve, doce e gentil. Depois fomos a uma cafeteria que também era uma livraria e depois de um capuccino eu pedi a papai um livro que falasse sobre o mar. Fomos a caça em meio a sorrisos, piadas e com muito custo encontramos este escondidinho numa pilha de outros mais. Uma felicidade enorme tomou conta de mim, não entendo ainda hoje como eu pude ser tão indiferente nos últimos anos com este presente que me foi motivo de tão doce alegria. Deste dia, me lembro também de que
quando voltamos para a mesa em que estávamos sentados e talvez eu não me lembre bem, talvez eu esteja criando imagens na minha cabeça justo agora, pois depois de receber todas estas informações, ler todas estas palavras; talvez eu esteja filosofando falsas ilusões, mas parece-me tão real que tia Rosa parecia alterada e mamãe extremamente irritada. Sempre parecia que minha mãe e titia estavam em clima chuvoso. Eu era ainda muito jovem, confiar lembranças perdidas não me parece seguro, mas se me lembro bem, e minha memória fotográfica não pode ser tão ruim esta foi minha primeira lembrança com este livro e encontrá-lo agora no fundo da gaveta não poderia ser algo aleatório, ainda mais levando em consideração ao que ele me remetia. Parece loucura e eu não sei exatamente, mas de alguma forma sentia que Ben estava tentando me dizer algo. Sim isto é absurdo! E sei que não posso mais vê-lo, contudo o sinto de alguma forma e sei que ele está aqui.

Confesso toda esta rede de intrigas e segredos já estava me cansando, eu parecia estar ficando louca, qualquer um que me visse descabelada como estou agora diria isso, mas sei que não estou e sim, eu poderia parar, pegar meu chinelo velho e ir dá uma volta pela praia, mas se Ben quer me dizer quem ele realmente é eu não posso negar ouvidos. Neste caso, sentidos. Durante um tempo, como eu já disse minha mente se martirizava saturando meu cérebro o forçando a encontrar respostas e depois de nada concluir ou encontrar decidi que talvez fosse melhor se eu deixasse que Ben me mostrasse isso no tempo dele. Pensei que talvez ele pudesse me dizer por quê ele está aqui e o quê ele quer comigo.

Depois da viagem pra Fernando de Noronha e os acontecidos por lá, decidi que não havia nada que eu pudesse fazer em relação a isso. Inúmeras vezes pensei em contar pra alguém essa viagem toda. Pensei em contar pra Sophia ou pra vovó, mas tinha medo que duvidassem da minha sanidade mental. Meu coração ansiava por isso. Vorazmente desejava arrancar esse silêncio terrível de mim gritando palavras ao vento e mesmo que ainda que estas palavras fossem levadas pela brisa sei que pelo menos estaria me libertando de tantas idéias. Precisava que alguém me ouvisse, me entendesse, mas não sei se seria entendida ou ouvida da maneira como realmente desejava.

OCEANO EM SEUS OLHOSWhere stories live. Discover now