🌊 conchas cravadas à pele 🌊

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Depois daquele banho quentinho, que a gente geralmente toma no finalzinho das tarde frias, eu quis tomar mais um banho, mas dessa vez um banho de luar. 

Pelos corredores ouvi um burburinho. Vovó dizia baixinho: — Talvez ela precise de um acompanhamento psiquiátrico.

— Ah mãe, eu havia pensando num psicólogo mesmo. Eu já acho suficiente. Não acho que seja nada assim... Nada que seja neste aspecto...

— Tenho medo por ela. Essas coisas que ela fica criando na cabeça dela. —, ela quase cochichava. 

— Mas é porque ela fica lendo muitos livros, mãe. —, tia Rosa respondeu. — Aqueles livros cheios de ideias de fantasias. Eu já falei disso. 

— Fala baixo, sua bocuda! —, vovó temia ser ouvida. Temia ser ouvida justamente por quem estava as ouvindo. 

— Desde menina pequena, a Cecília só fica com esses livros na mão. Isso não é normal gente. —, baixou o tom da voz. — Não se via ela com amiguinhos... Esses coleguinhas de escola mesmo. Sabe? Ah eu acho esquisito isso. 

— Mas ler é uma coisa boa, minha filha. 

— Não quando você se dedica única e exclusivamente a isso. É ótimo, mas não é saudável ficar com a cara metida nas palavras e não ter uma vida social. E isso ela não tem, não adianta querer negar que...

— Rosa, eu não estou querendo nada. Não sei o que você está insinuando. —, incomodos flagelados.

— Sabe o que eu acho? —, minha tia parecia exaltada. Eu digo isso julgando pelo seu tom de voz. 

— O que você acha? —, vovó também estava perdendo a estribeiras. 

— Que a pobrezinha cresceu muito jogada. —, falou num impulso impetuoso. 

— Isso não é verdade. —, negas. — Todo o carinho e afeto que eu pude dar pra ela eu dei. Deus é prova disso.

—Mas não é sobre você. É sobre os pais dela. —, parece que titia estava suspirando. Tomando alguma coragem.

— Helena nunca teve consideração suficiente que uma mãe precisava ter. Toda a atenção e assistência que ela precisava receber da mãe ela recebia da senhora. 

— Não fale assim da sua irmã, Rosa. —, vovó se alterou. — Ela não está mais aqui pra se defender das suas acusações. 

— E nem quando ela esteve aqui ela estava presente pra própria filha dela. —, titia afiada rebateu. — Suas motivações sempre foram egoístas, centradas no EU, voltadas pro próprio umbigo. Quem teve que trocar fralda dessa menina foi a senhora e não ela. Ela não experimentou o que é ser mãe. Ela não tinha propriedade pra isso e nem se importava com isso. E no fim tudo isso culminou em calamidade. Toda aquela vontade de ser livre e descompromissada, mesmo quando ela tinha compromissos arcáveis aliás, terminou em tragédia, fatalidade. 

— As águas passadas não movem moinhos, Rosa. Deixa disso já! —, ordenou vovó. 

— Movem. —, desobedeceu. — E como movem. Se não fosse todo os descaso da Helena e toda a solidão materna que ela proporcionou à Cecília, hoje ela não estaria assim tão problemática. A criança necessita disso. Precisa da aprovação, da atenção, da presença, da dedicação dos pais. A coitadinha foi abandonada pela Helena. E a senhora não finja que não sabe disso. Percebe-se e é entendido. Negar esse fato é inviabilizar os traumas dela e eu sinto que a Senhora não precisa disso pra proteger a maravilhosa sem defeitos da Helena. —, deu o veredito e então todos os silêncios se fizeram. 

Controlando a minha respiração e na ponta dos pés, eu dei meia volta de volta ao meu quarto. Eu queria estar lá, de baixo da cama, pra ver como seus corpos gesticulavam e suas expressões faciais. Naquela noite eu não conseguia dormir. Parece que eu só sabia pensar. Uma coisa ruim apertando o peito, um amargor no âmago, uns olhos pesados. Ficou nessa ruindade até de madrugada, quando enfim peguei no sono depois de tanto matutar. 

OCEANO EM SEUS OLHOSOpowieści tętniące życiem. Odkryj je teraz