[Mais das Quedas d'Água de Celiel]

20 2 0
                                    

A mando de seu patrão, Raul se mantinha em posição, próximo ao prédio, em uma praça pouco ao lado, onde ameixeiras tapavam a visão do alto, mas não a da entrada. Em parte, era o que precisava. Com um jornal em uma mão e um celular na outra, montava vigia. Ele já conhecia de vista os moradores que precisavam de sua especial atenção. Ele viu quando mais um dos residentes chegou: um rapaz. Logo que subiu, acendeu a luz de seu apartamento, que ficava ao lado do apartamento que vigiava. Viu também quando, 30 minutos depois, chegou uma moça. Mas não sabia para onde essa foi. Com fome, Raul foi até o carrinho de cachorro quente e pediu 2. Era um turno de 12 horas e só sairia pela manhã.

Já no apartamento, quando acabara de escovar para dormir, alguém bateu à porta, e o rapaz abriu:

— Firela!

— Pedro.

— Aconteceu algo? — Ele teve uma ponta de preocupação.

— Eu posso entrar? — O rapaz hesitou por um instante e ela reforçou: — Por favor!

Ele deu passagem e, mal ela passou a porta, se virou sobre ele e o beijou prensando-o contra a entrada. O perfume levemente adocicado invadiu suas narinas e ele sentiu um momento de felicidade. Por isso correspondeu ao beijo, mas cessou.

— Firela...

— Não diga que não me quer.

Sim, ele a queria.

— Mas apenas sexualmente? É muito mais que isso. E não o temos, Firela.

Numa última jogada, ela abriu o sobretudo expondo o belo corpo e, na sequência, se lançou sobre ele. Os corpos juntos, se aqueceram brevemente, até que ele a afastou.

— Você pode encontrar alguém que tenha mais a ver contigo. Olha pra mim, olha pra minha casa.

Ela entendia que Pedro não tinha ambição para as coisas da vida. E realmente, às vezes, isso a incomodava.

Com os olhos marejando ela fechou a roupa, arrumou a bolsa no ombro, abriu a porta e saiu. Ele sentiu alívio, não por si, mas por ela. Eram diferentes demais. Fato! E num futuro isso poderia geral grandes traumas.

Pedro abriu as janelas da sala e deixou uma brecha na janela do quarto, para ventilar e tirar um pouco da fragrância adocicada de Firela.

Tudo isso se passou sob o olhar atento da entidade que, aguardando o seu momento, já estava no apartamento fazia algum tempo.

O rapaz se sentou na cama e ficou reflexivo quanto à situação com a ex-namorada. Aquilo parecia lhe incomodar tanto. Será que queria mesmo a situação daquela forma? Ele deitou, mas não conseguiu dormir rapidamente. Os pensamentos quicavam em sua mente, de um lado para o outro até que, num ímpeto, se levantou e vestiu sua roupa e foi para a porta. Iria atrás de Firela. Mas desistiu.

"Ficará melhor sem mim."

E, vestido mesmo, se deitou e dormiu.

Passou a mão nos cabelos, vendo os galhos de árvores, contrastando, em um céu claro logo acima. Sentiu a grama ao seu redor, tão macia e agradável quanto o seu edredom. Deitado, ele rolou para o lado e se apoiou sobre os cotovelos. Assim pode ver, muito distante, o elevado onde estivera.

"É um sonho."

Já não se esforçava em entender alguns acontecimentos. Se sentou olhando para os lados. A temperatura era agradável e a vegetação ainda pequena, com bastante espaçamento entre as plantas. Se sentia satisfeito com onde estava e com o que via.

A caminhada teve reinício e, rapidamente, mais mudanças na paisagem. As árvores aumentaram, tanto de tamanho quanto de largura. As copas agora atingiam facilmente 150 metros, mas não eram essas as mais altas.

"Dá pra construir uma casa ali"

Calculou ao ver uma com tronco muito grosso e galhos muito ramificados. Mas depois de um tempo, viu várias como aquela primeira. Percebeu também muitas diferenças entre as árvores. Havia troncos, com escamações diversas e cores sortidas, ao menos 5 cores. As folhas também variavam muito, sendo possível ver pequenas, finas, claras, duras, grandes, rotundas, escuras, moles. E estas sim, mudavam bastante em cores. Contudo, não viu frutos.

"Que estranh..."

Parou de súbito ao ouvir um som agudo e cortante, como ser uma lâmina fosse desembainhada. Em seguida barulho de madeira se quebrando e rangendo, além de muitas folhas sacudindo. Pedro teve uma sensação de desespero crescente, que só cessou ao ver a gigante árvore tombando poucos metros diante dele. Ela desceu destruindo árvores menores, abrindo enorme cratera no chão e erguendo uma nuvem de poeira e folhas. Com o tremor, o rapaz caiu ao chão. Sentado, olhou para o grande corpo que agora jazia diante dele. O tronco, deitado, era muito alto, sendo inviável escalá-lo. Também era muito cumprido, o que lhe faria dar grande volta. Um incômodo o tocou ao pensar em como aquilo acabara de acontecer. Contudo percebeu que, na direção apontada pela copa da árvore caída, o caminho era mais aberto, e foi por ali. Caminhou por longo trecho, até que ouviu o som de muitas águas e, após vencer um trecho de mata mais fechada, encontrou uma grande foz. Dali viu das mais belas quedas d'água, além vários outros rios, que pareciam calculados em seus caminhos, como se procurassem alcançar o máximo de lugares possíveis: morros, vales, planaltos, campinas. E o mais impressionante, o que fez os olhos de Pedro brilharem: as ilhas flutuantes.

"S-u-r-r-e-a-l!"

Desejou ter asas e voar. Ter a liberdade dos pássaros e lá curiar. Foi olhando assim, distante e na linha do horizonte, que viu um ponto brilhante. Depois apareceu outro e mais outro e, de repente, eram vários, incontáveis. Em coloração avermelhada e vívida. Pensativo, sentou recostado em uma pedra e acordou.

BOIN - Amor das ProfundezasOnde as histórias ganham vida. Descobre agora