[Porto de Bellalma]

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Horas antes, Pedro voltava para casa, repassando mentalmente momentos de um passado não tão distante:

— Oi! Tudo bem?

— Olá. Dia pouco puxado, mas foi isso.

— Pedro, vejo você tão capacitado. Porque não muda de empresa?

— Nós já conversamos sobre isso, Firela.

— Acha que há futuro aqui?

Foi por causa da insistência nesse assunto que o casal se separou. E, não. A garota não estava errada. Só que Pedro gostava daquele serviço e poderia executa-lo, ou a outros similares, onde quer que fosse. Mas, por algum motivo, se prendia àquele lugar. Logo ele, que sempre se imaginou um funcionário do mundo, ou pensara assim. Falava 3 idiomas, sempre foi bom com várias linguagens de programação, tinha contatos em outras empresas do setor.

"Porque não consigo me desvencilhar? Avançar?"

Ele desceu do ônibus, passou no verdurão e foi para casa. Não estava tão cansado, mas queria comer algo e relaxar. Tinha alguns discos de vinil que ainda aguardavam pela sua atenção.

Sobre a pia da cozinha, Pedro pegou duas laranjas, cortou em cruz e comeu. Bananas nanicas foram três. Duas maçãs. Um cacho de uvas. Enquanto comia, ligou o rádio e sintonizou em uma estação de músicas antigas. A música entrou no momento em que Pedro terminou a refeição, pegou a toalha e foi banhar. Na sequência a escovação. Sentou-se na cama, lendo o capítulo de um livro que não lembrava o nome:

"Tu te tornas eternamente responsável por aquilo que..."

Apagou.

De cima da montanha, Pedro divisava ainda com mais clareza tudo à sua volta, desde lá embaixo, no ponto onde estivera, até aqui o ponto onde estava. Foi quando algo do lado oposto, também pouco abaixo, lhe chamou a atenção e ele desceu com certa rapidez. Era fim de tarde quando chegou ao sopé da montanha e, passando por uma parte da floresta que se misturava à vegetação litorânea, teve acesso a outro trecho das praias do mar. Caminhou sobre a areia até que deu o seu primeiro passo sobre as tábuas. Elas avançavam em linha reta por longa distância, sempre rente à água, mas com extensões pontudas adentrando ao mar. Estacionadas nesses espaços estavam os objetos de sua admiração: sete grandes naves que ali flutuavam sobre águas serenas. Contudo não viu em nenhum dos navios, rampa para embarque. Viu apenas cordas enroladas e velas recolhidas, e também nada de objetos avulsos sobre os tombadilhos.

"Até parece que acabaram de ser fabricados."

E após esse pensamento observou que todas eram diferentes entre si. Uma era mais larga [BALROTA]; outra mais estreita [AJU]; havia a mais alta [MATUN]; a mais baixa não parecia ter quilha [NEITAS]; uma com proa grande parecia agressiva [DRAVIO]; a com a poupa grande parecia se curvar para dentro d'água [OIVARD]; por fim, havia a menor de todas, mas com equilíbrio nas linhas [POGAR mas depois seria rebatizada].

Aquela última lhe chamou a atenção, e por isso se aproximou mais, divisando sobre a ponta do mastro principal, a bandeirola preta, que diferia das demais que eram de cores bem mais claras. Estas peças de tecido, firulavam, movidas por um vento leste, junto a uma brisa morna, aquecida pelos últimos fachos do sol poente. A escuridão avançava lentamente quando Pedro, agora caminhava até a última embarcação. Crescia em seu coração a vontade de velejar. Foi quando viu algo ou alguém ao final do cais, entre as proas dos dois últimos navios. Pedro estancou o movimento, se sentindo ameaçado com a situação. Pior ainda, por não conseguir identificar de forma alguma o que via. Com algum receio, caminhou mais um pouco naquela direção. Olhou para os lados pouco antes de chegar no mesmo local. Mas não via mais o ser. Exceto que, ao olhar para as madeiras da doca, percebeu perfurações e ranhuras, com certa profundidade que o fizeram ficar mais cauteloso. Pedro sentou na beira do cais, recostou em uma pilha de madeira, deixando os pés dentro d'água, e acordou.

BOIN - Amor das ProfundezasOnde as histórias ganham vida. Descobre agora