[Campos Verdejantes]

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Naqueles últimos dias, o trabalho foi intenso. Foram mais de dez manutenções em caixas eletrônicos com problemas diversos: falta de comunicação com o servidor central; teclado inoperante; tela apagada; portinholas travadas. Fora os problemas de sistema.

"Pedreira"

O pensamento veio quando voltava com a viatura para o pátio da empresa. Entregou as O. S. (ordens de serviço) no entreposto e, quando se organizava para sair, a gerente chegou:

— O tempo de manutenção aumentou.

— São problemas variados que surgem em campo. Não dá pra acelerar ou retardar o tempo de atendimento.

— Sei, sei. Sempre a mesma história. Mas nem com a comissão paga por equipamento você não acelera?

Pedro não queria entregar outros colegas que faziam serviço de forma duvidosa e que, por diversas vezes, geravam retorno para nova manutenção.

— Pois é... — Desconversou — Preciso ir. Boa noite!

No ônibus, voltando para casa, ele observava a cidade. Sentia que havia abundante prosperidade, mas que as pessoas não estavam felizes. Como se uma grande apreensão envolvesse o mundo.

Ele desceu duas paradas antes da sua e passou no cachorro-quente do Merivaldo. Tinha um sabor estranho, mas gostava por ser na chapa e vir com tomates.

— Um por favor e um suco de laranja.

— Tem 8 na sua frente, tudo bem?

— Eu aguardo.

No quiosque, bem baixo, quase imperceptível, uma rádio latina dava notícias jornalísticas:

"— ...Ontem à noite na Zona Rosa, Cidade do México, um trio foi encontrado dentro de um apartamento. A polícia informa, após perícia, que o casal foi assassinado a tiros e que, o autor dos disparos, após o crime, disparou contra a própria cabeça. Impressionante."

"— Rapaz, o que está acontecendo com as pessoas?" — Comentou o parceiro de estúdio.

"— É quase impossível saber. Nessas últimas semanas há um aumento exponencial da violência em todo o mundo."

"— Sinal dos tempo?"

"— Vai saber."

Pedro ouviu por um instante, mas então se lembrou de Firela, e em como a relação se esfacelou dia após dia, e também em como ele não lutou pelo casal. Não sabia explicar o porque. Também não se recordava do motivo de terem começado a relação.

"Necessidade sexual? Solidão?"

Não. Não foi apenas isso. Firela era moça inteligente e de boa família. Sempre mantiveram um diálogo sadio, pra frente. E isso o agradava. Mas quando pensava em algo mais sério, Pedro não se empolgava, como se, por mais que ela se encaixasse a ele, não fosse aquilo o que ele procurava.

— O seu lanche.

Parou de pensar um pouco para reanalisar a refeição: pão semi-queimado, com queijo borrachudo, com salsicha de terceira e tomates quase em decomposição. Sentiu vontade de orar pedindo proteção.

"Como ele vende tanto?"

Era uma dúvida que ele não sanaria.

Depois da prova de resistência, foi para casa. O banho foi rápido, assim como a escovação. Vestiu o short do pijama e caiu na cama.

Pedro caminhava havia algum tempo, não percebia isso por cansaço, mas pela mudança no horizonte. Ao parar, se virar e olhar para trás, brilhavam os primeiros raios solares de uma alvorada que revelavam um céu límpido e, muito distantes, as embarcações, flutuando sobre águas serenas. A claridade também revelou que estava agora sobre uma planície que seguia por milhas e milhas à sua frente. A maioria dela tomada por vegetação rasteira, gramíneas, de um verde de tons oscilantes, que mudavam quando aglomerados de flores, brancas ou amarelas, apareciam. Caminhou bastante até chegar a um pequeno arbusto delas.

"Gardênias?"

Ali, o cheiro levemente adocicado o envolveu.

Continuou a caminhada e, depois de longo tempo, parou e olhou para trás, e nada mais via dos portos ou dos navios, e percebeu que o terreno agora tinha um leve declive e que, muito a diante, havia algo sobre a relva. Antes que recomeçasse o seu trajeto, olhou para o chão e viu marcas que sulcavam o solo, revirando-o de forma estranha. Pedro encontrou certa similaridade com o que vira nas docas, o que lhe lançou certa dose de temor. Mas a sensação de segurança ainda lhe era grande, o que, somada a curiosidade, lhe fizeram recomeçar a andar. Foi com surpresa que viu que os arbustos de flores pelos quais passava, estavam revolvidos como se algo tivesse chafurdado neles. Parou sobre um deles e recolheu algumas flores, guardando-as em seu bolso, e seguiu à diante. Não muito distante viu algo:

"Parecem duas pedras. Uma grande e outra pequena."

Percebeu que algo tentava se ocultar do outro lado, sem muito sucesso. Pedro não conseguia definir o que via, mas sabia que era algo escuro, de cor quase preta. Pensou em dar a volta para tentar ver melhor, e quando o faria, uma rajada de vento se abateu sobre ele. Não tão forte, mas o suficiente para fazer ele fechar os olhos brevemente e protege-los com as mãos. Ao cessar a rajada, e ter a visão recobrada, mirou novamente nas pedras e não viu mais a criatura. Ainda temeroso, se aproximou com cautela, observando detalhadamente aqueles grandes objetos. Viu então que destoava de sua primeira análise:

"Têm mais a aparência de uma mesa com um banco. Que estranho."

Em uma das quinas viu um líquido denso, semi-transparente, que escorria. Se aproximou cheirando:

"Azeite?" — constatou pouco descrente.

A dúvida foi suplantada por outra curiosidade, e passou para o outro lado, observando vestígios no chão. A terra não estava tão revolvida, como se "aquilo", tivesse permanecido parada diante da mesa. Olhou novamente para os lados e, não vendo mais nada de estranho, seguiu adiante. Caminhou por outro longo período até conseguir ver as primeiras vegetações mais altas. Pedro sentou sobre um arbusto e acordou.

BOIN - Amor das ProfundezasOnde as histórias ganham vida. Descobre agora