Teve uma garotinha que disse que eu parecia uma princesa da Disney cantando. Sorri agradecida com o comentário. Benjamin, de longe, deu uma breve balançada de cabeça como se concordasse, antes de voltar a anunciar. Eu girei os olhos, ao ouvir mais uma vez, as palhaçadas dele ao microfone; agora indo ao setor de Kaio, não apenas para vender, como também perturbar o amigo. Enquanto ria dos comentários que escutava pelas caixas de som posicionadas no teto, não pude deixar de admirar o quanto aquele garoto conseguia cativar os clientes. Fazia sentido que apesar do jeito irreverente de Ben, seu chefe o mantivesse como funcionário sem nem atrasar seu pagamento. Ele era uma máquina de conseguir público. Mas ao invés de seguir para algum camarote, ao terminar seu show, ele ia para o ponto de ônibus e chegava cansado em casa.

Um pouco antes do horário de almoço, Alex me mostrou alguns dos vídeos que tinha feito e ia mandar ao avô: em um, ele aparecia, bagunçando o irmão como se ainda fosse um bebê, em outro, mostrava a promoção anunciada, completamente esgotada. E por último, eu, cantarolando, recostada perto do SAC, algumas pessoas aplaudindo em volta. A legenda dizia: "namorada do Benjamin".

Então era isso que nós éramos? Não pude deixar de olhar na direção de Ben, ainda ocupado, e sorrir com a ideia. O engraçado é que fora os beijos ocasionais, e alguns toques, parecia que nada havia mudado entre a gente. Ele continuava sendo o meu melhor amigo.

Fiquei com isso na cabeça até a hora em que o acompanhei para o almoço. Alex seguiu para a faculdade e fomos só os dois. Benjamin andava com o braço direito ao redor dos meus ombros. Era engraçado ver o meu melhor amigo e o cara que estava aprendendo como me tocar nos lugares certos, juntos ali na mesma pessoa.

Pietra voltava de seu intervalo, nesse exato momento e ao passarmos por ela, claro que aproveitou para zoar:

— Não fica babando muito esse cara, senão ele vai acabar acreditando que pode ser bonito! - Ela gritou. Benjamim respondeu-lhe dando a língua e sorrindo mais para mim em seguida.

— Engraçado como eles aceitaram rápido a ideia da gente como casal. Quero dizer, até a Suzana não deu um escândalo de surpresa como eu pensei que ia dar, quando você contou.

— Pois é, né? Parece até que... eles já esperavam de alguma forma. - Respondi olhando para o chão.

Um fato que também era engraçado era que por mais que os nossos lábios já tivessem se unido e estar nos braços de Benjamin me passasse uma sensação tão boa de ânimo e harmonia... ainda era estranho conversar sobre isso com ele. Melhor mesmo era só ficar ali, segurando uma de suas mãos enquanto a outra tocava meu ombro.

Era uma situação completamente estranha parando para pensar, a desmemoriada e o louco que resolveu ajudar. Se beijaram do nada e... simplesmente pareceu que dava certo. Acho que nesse campo das emoções, as palavras realmente não ajudam. E olha quem está dizendo isso, logo eu, que fico inventando rimas.

Acabou que nenhum dos dois conseguiu falar nada mesmo, porque o restaurante não era tão longe. Só almocei correndo e me apresentei para meu novo chefe.

Ele era um senhor muito amável. Chamava-se Antônio, era viúvo e foi contando a história da sua vida enquanto acertávamos a carga horária. Como ele sabia do meu tratamento, acabou que eu não trabalharia no horário da manhã, mas compensaria no final de semana. O salário não era muito alto, mas também poderia ser mais baixo, o que me deixou contente de qualquer forma.

No dia seguinte, fazendo meus exames rotineiros no hospital de Niterói, Suzana nem acreditou quando dei a notícia:

— Eu passei a faculdade inteira me matando por estágio, menina! Segura essa oportunidade com unhas e dentes.

Vicente e Helena que passavam com a alimentação dos pacientes também vieram me parabenizar.

— Fizemos um ótimo trabalho! Que bom que voltou a ter uma vida normal! Nem parece mais a mesma que chegou aqui há alguns meses. Tá mais corada, tá feliz! Tá namorando...

Me esquivei de uma tentativa de cosquinhas pela parte de Helena, enquanto dei-lhe tapinhas no braço, um pouco sem-graça. Aproveitei que estava perto da hora do meu primeiro expediente para me despedir.

Trabalhei o dia todo assobiando. O ambiente era muito aconchegante, e devo ter dado sorte porque os clientes de seu Antônio, em sua maioria eram muito amáveis. Já estava perto de umas 8 da noite, hora em que meu chefe disse que se recolhia, por conta da idade, quando fui fechar o caixa. Tocava na rádio o último lançamento chiclete de Riley:

"Meu poder está chegando

Cada vez que eu rebolo

Te vejo arrepiar

Isso é a minha energia

Que vem pelo aaar

Ahhh

Detonar

Ahhh

É só lacrar"

Girei os olhos depois de analisar a letra. "É a nova Clarisse Lispector", pensei, me recordando dos livros lindos que tinham na cabeceira da cama de Alex. Acho que estava tendo uma maratona de músicas da criatura no rádio porque a próxima também era dela. Essa eu já tinha ouvido o Benjamin cantando loucamente algumas vezes. Era melhor que anterior, chegava a ser suportável. Acabei me rendendo e comecei a murmurar junto da música, contando a gorjeta que recebera naquele dia.

Nesse momento, eis que um senhor entra pela porta da frente, mesmo já encostada. Eu não dei muita bola, porque iria precisar fechar de qualquer maneira. Só continuei cantando. Para quê? Ele parou no meio do estabelecimento entre as mesas, e disse com uma voz profundamente perturbada:

— Riley!

Assenti com a cabeça, como que confirmando que era uma música dela. Só então fui ver a cara do cliente.

Minha cabeça doeu na mesma hora. Era o mesmo homem que eu tinha visto na primeira vez que fui ao mercado. Vestido com um terno caro, ele tinha uma expressão de sarcasmo e ironia estampada no rosto. Bateu palmas, só piorando minha enxaqueca.

— Realmente, você está irreconhecível. Quase iria passar direto. Quase.

Eu não estava entendendo mais nada e a minha cabeça doía cada vez mais forte. Sei que não é a melhor coisa a se fazer num primeiro dia de emprego mas gritei pelo meu chefe. Seu Antônio, amavelmente, veio correndo em meu socorro. Mas eu já tinha desmaiado de tanto que minha cabeça girava quando ele chegou.

Estrelas PerdidasWhere stories live. Discover now