Quando Duas Estrelas se Cruzam

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"Não declares que as estrelas estão mortas só porque o céu está nublado." - Provérbio Árabe.


Benjamin  

Algumas horas antes, eu me perguntava por que ainda estava ali. Para ser sincero, até hoje não tenho certeza, mas acho que tem a ver com a minha preocupação em saber se a moça iria sobreviver ou não.

Toda vez que alguém saía da sala de cirurgia para onde a acidentada foi levada assim que chegou, meu coração dava um salto e eu me sentia mais desperto; ia apressado perguntar sobre tudo que acontecia lá dentro, mas a resposta era sempre "não temos tempo para te responder pois estamos ocupados demais." Logo, voltava frustrado para a cadeira ao lado do bebedouro e um tio que não parava de tossir me lançava um olhar esperançoso e questionador; eu só balançava a cabeça em negação e ele voltava a atenção a um paninho encatarrado. Porém, depois de um tempo, ninguém mais atravessou aquela porta misteriosa, tornando toda a espera mais agonizante e tediosa a cada segundo.

Não durma. Não durma. Não durma. Não fecha o olh...olha um porco voando! Ficaria melhor se tivesse um chapéu preto de mágico na cabeça dele e botas vermelhas nas patas, e se ele fizesse o passinho do Michael Jackson. Agora sim! Espera, isso não é normal. Acorda!

Observei uma mulher vomitar pela quarta vez num baldinho e cheguei e repeti mentalmente pela vigésima vez que o ambiente de hospitais é horrível. Não aguentava mais esperar, tinha se passado quantas horas desde que ela entrou naquele quarto? O relógio não me dava informações porque eu não lembrava que horas havíamos chegado lá e passei a não confiar nele depois de ter cochilado várias vezes, acordado e ver que não tinha passado nem cinco minutos. Então, eu estava pensando em ir embora quando coincidência, destino, tanto faz, o chefe de cirurgia dela, finalmente, saiu da porta e parecia procurar algo ou alguém. Me aproximei e comecei a série de perguntas: Cadê ela? Está viva? Tá bem? Vai viver? Deu tudo certo? Como ela tá?

O cara era ou uma pessoa muito calma ou muito fria, porque a expressão dele era neutra e a fala, devagar.

— Sim, ela está estável. A cirurgia deu certo. Ela ficará em observação por bastante tempo para sabermos se não terá reações. Além disso,  precisa descansar e acordar para podermos examinar seu nível de consciência. — Ele colocou as mãos em meus ombros e respirou fundo antes de continuar. — Vai para casa, ligaremos assim que houver novidades.

Assenti. Dei mais uma olhada na porta que ela entrou há horas e parti para casa. Minhas pernas se mexiam no piloto automático, porque minha cabeça ainda estava no acidente e na moça no hospital. Eu poderia dormir no chão da calçada de tão cansado que estava, eu realmente pensava nisso até chegar no apê que divido com meu irmão.

Guardei as compras e me preparei para dormir tão devagar que mal fazia barulho. Quando me joguei na cama, sonhei que estava no hospital assistindo ao show do porco voador. Foi um alívio grande e engraçado.

No dia seguinte, acabei não acordando com o despertador, mas com as várias batidas fortes de meu irmão na porta do meu quarto.

— Tem mais trabalho, não? Foi demitido? — Seu gritos estavam abafados, mas dava para ouvir a irritação em sua voz. — Levanta, preguiça!

Queria mandar ele calar a boca e ir ver se estou em Marte. Porém, só disse que estava arrumando minhas coisas e fui organizar parte da minha vida.

Alex, meu irmão, me levou de carro até a metade do caminho do ônibus, pois disse que estava atrasado e era contra-mão para a faculdade. Dei de ombros e fui para o mercado com um desânimo tão grande que assim que cheguei, um colega foi logo me barrando na entrada.

Estrelas PerdidasWhere stories live. Discover now