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Santiago era um menino de pele clara e olhos escuros. O seu cabelo curto formava pequenos caracóis negros e a sua gargalhada era contagiante. Lurdes, a avó, tinha um feitio difícil mas era uma mulher completamente diferente para ele. Paula, a filha de Lurdes e mãe de Santiago, aparecera em casa numa madrugada com o menino de poucos dias ao colo. Dissera que não conseguia tomar conta do bebé e deu liberdade a Lurdes para fazer o que entendesse. Depois, desapareceu. Ninguém sabe quem é o pai do menino e, num acesso de raiva, Lurdes disse que nem a filha sabia. Nos primeiros tempos, uma nuvem de desprezo rondou a pequena casa daquela velha senhora. Comentários cobardes diziam que ela nunca soubera educar a filha. Uma mulher, com o seu trabalho e quarenta primaveras, deixara os vizinhos estupefactos e um pouco aterrorizados quando souberam da história. Agora, Lurdes educava o melhor que podia o seu neto, que vivia entre a sua casa e a de Constança. O menino adorava-a e ela gostava tanto dele que não conseguia compreender como uma mãe conseguiria abandonar a criança mais doce por querer liberdade.

Agora, depois de uma tarde de cinema e passeios na areia, Santiago caminhava de mão dada com Constança e Afonso ao seu lado até casa da avó Maria, onde jantariam. Irrequieto como era, contou todo o filme a Afonso e fez o rapaz prometer que iria com ele ver o filme de um dos anúncios. O Sol punha-se nas costas deles, conferindo ao ar um tom alaranjado. O clima estava mais fresco em comparação com anos anteriores e Alberto repetia constantemente, lamentando, que a fruta naquele ano não seria tão doce.

- Tens uma prancha de surf? -Santiago perguntou, entusiasmado, a Afonso.

- Tenho sim. No verão ensino-te a andar nela. - Afonso prometeu, observando o rosto iluminado da criança.

- Santi, queres ir tocar à campainha? - Constança propôs. - Vamos ver se a avó Maria já está em casa.

- É claro que está. - Santiago falou com o tom que as crianças usam quando querem parecer adultas.

Constança assentiu, vendo-o caminhar à frente, em direção à casa baixinha.

Afonso observou a moça dos olhos esverdeados e as sardas irlandesas. Aproximou-se dela e tocou na madeixa que o sal do ar marinho tinha encaracolado. Viu a sombra de um sorriso nos lábios dela e o esforço que fez para o esconder. Ele próprio sorriu com a ideia de que recuperara a velha Constança. A sua amiga estava de volta. Passou um braço à volta dos ombros dela e parou de caminhar. Constança ergueu o olhar, sem compreender, e ele fitou o rosto iluminado pelo sol. Os olhos dela ficavam mais verdes e o seu cabelo adquiria tons vermelhos sob o castanho. Levou a mão à nuca dela, subindo-a pelos cabelos encaracolados, apanhando-a despercebida. Constança mordeu o lábio. Aquele toque arrepiou-a até o âmago do seu ser e, naquele período em que ele a olhava intensamente, baixando os olhos mel na sua direção, desejou algo mais. Os arrepios não deixavam esconder. Sentia o formigueiro nas pernas e ergueu as mãos lentamente, segurando a mão livre de Afonso. Devia tê-las frias porque ele estremeceu. Colocou a madeixa de cabelo dela atrás da orelha e beijou-lhe a testa. Depois, recuou.

- Tu e o Mário...

Constança bufou, cruzando os braços, desiludida com o vazio que voltara a estar entre eles. - Essa conversa outra vez, Afonso. Eu e Mário somos só amigos!

Ele inclinou a cabeça sorrindo.

- E tu não acreditas em mim. - Constança concluiu.

- Os homens conversam, Constança.

Ela revirou os olhos. Sabia que quando estava mais chateado ou sério, a chamava assim em vez do diminutivo carinhoso.

- Conversam o quê?! Afonso, eu e ele sempre fomos amigos, nada mais. Nunca fomos mais que isso. E, por muito que ele me tenha ajudado depois do que aconteceu com o Manuel, eu nunca iria achar que éramos mais que bons amigos.

Constança sabia que Afonso conhecia as histórias do secundário. Mesmo sendo mais velho três anos, assim como Mário, Constança não negava que os achava engraçados, para não dizer mais nada que a envergonhasse. Sabia que os rapazes falavam entre si e que, com certeza, Mário contara a Afonso sobre o baile de finalistas. O baile de finalistas do secundário de Constança, que levou Mário como companhia e guarda-costas, como Pedro queria acreditar. Mal sabia o pai o que fizeram durante a noite! Sabia que Mário teria contado a Afonso os detalhes da noite em que ela tivera a sua primeira vez com o seu melhor amigo. Ou talvez o rapaz nem soubesse dos detalhes. Afinal, Constança e Mário eram os melhores amigos e havia a questão da privacidade e proteção e...

Ainda assim, mesmo que Afonso não soubesse do que aconteceu naquela noite, sabia que ela e Mário continuaram a ter os seus encontros calorosos em tardes frias ou noites quentes. Nunca assumiram uma relação, nem era preciso. Eram melhores amigos. Que partilhavam tudo. E, foi com uma naturalidade não convencional que deixaram de partilhar mesmo tudo. Mas a amizade permanecia. Todo aquele tempo. Constança percebia que aquele período confuso se prolongou bastantes épocas e entendia a confusão de Afonso. Era difícil explicar-lhe que nunca esteve apaixonada por Mário. Bem, agora não estava, mas houve certamente uns dias em que achou que sentia algo mais profundo pelo rapaz. Mas esses momentos eram passado.

Voltou a encarar Afonso. Aproximou-se dele e tocou-lhe no braço. - Sou amiga dele, tal como sou tua amiga.

Viu-o inclinar a cabeça e sorriu-lhe, achando que isso o convenceria. Depois, olhou para a porta que começava a abrir-se. Ganhando uma timidez que não possuía, Santiago correu para Constança e agarrou-lhe a mão.

- Olhem só! Não sabia que ía ter um convidado tão especial. - Maria falou, tirando um sorriso do menino. Endireitou as costas e sorriu ao neto e a Constança. - Entrem, entrem. Constança, os teus avós estão no jardim das traseiras.

A moça assentiu, caminhando com Santiago pela mão e Afonso atrás de si. O mais velho tocou-lhe o fundo das costas e encostou o seu peito a ela, sussurrando-lhe que continuariam a conversa mais tarde. Ela assentiu e deu o passo que faltava para que Conceição e Alberto a notassem.

- Passam os dias na casa da mariquinhas? - Questionou.

Eles sorriram.

- Mimi...

Constança baixou o olhar para Santiago e baixou-se, fazendo-lhe cócegas na barriga. - São os meus avós, Santi.

- Este menino é que é o Santiago?- Alberto perguntou com o habitual tom brincalhão. Constança assentiu.

- Eras bebé na última vez que estiveram aqui...

- Diz-me lá, Santiago, gostas de coelhos? A Maria tem uns pequenotes ali atrás. Queres ver?

O rapazote assentiu, deixando a mão de Constança e seguindo Alberto.

Conceição sorriu, voltando-se para a neta. - Fica-te bem, Mimi.

Com o olhar confuso, a moça encarou a avó.

- Uma criança, querida. Fica-te bem.

Constança revirou os olhos. - Ó avó...

Afonso percebeu o rosto corado da moça. Conceição abriu o sorriso para o rapaz e ele abeirou-se dela.

- Foi bom encontrá-la aqui, São. - Afonso falou, com vestígios do riso na voz, fazendo Constança observar a cumplicidade dos dois com estranheza.

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