Capítulo 3.4

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A portinha da caixa de força rangeu ao abrir. Parti fios com a mão, esmaguei fusíveis sob os pés, os estalos concorreram com o cantar dos grilos. Banhado sob a luz da lua, observei toda a energia do complexo cair.

Levei pouco tempo para captar a movimentação de alguns caçadores através da audição.

A luz de uma lanterna trêmula clareou a caixa, o Lança apertou o botão do walkie-talkie:

- Aí, caras... ah, merda... A caixa de força tá toda zuada aqui! - E sussurrou baixinho, sem pressionar o botão. Ficaria feio se os ouros ouvissem. - Meu Deus! Diga que não é ele!

"Tchhh... Algum sinal do vampiro?... Tchhh" - A voz rouca e fraca do líder saiu pelo alto-falante.

- Coco-co-como assim?! O senhor não acha que..?

"Tchhh... Espero que não...cof-cooof-cof... esteja gaguejando... arrrrh, maldito cansaço... gaguejando de medo, seu bostinha... Tchhh"

Houve o sobe e desce da goela do caçador, seguido de um engolir seco. Eu podia farejar o cheiro de febre vazando pelos poros dele. Bolhas de suor brotavam e escorriam, marcavam as roupas do homem com enormes manchas. Parecia estar desconfortável com o próprio corpo de tanto tremer.

Ângela estava certa. Sem a dose, eles estavam degenerando.

E você, querido amigo que lê estas memórias, pensaria:

"Porra, hein, George, qual a graça de vencer quem já tá morrendo?"

Pra você eu respondo:

"Se já estivessem mortos, eu ainda ia estripar cada um!"

O vento sacudiu o cercado de arame. Sussurrava um UUUUUUUUHHHHHHHH constante. O cara se virou num repelão, disparando a luz para todo lado. E quando a claridade da lanterna parou de me ofuscar por um instante, reconheci o indivíduo. Ah! Foi como um gozo!

- Eu disse que voltaria, Ivan!

Ele se virou de novo a 180°, de frente para a parede onde ficava a caixa de força.

- Q-q-q-q-q-quem tá aí?

Para aqueles que passaram despercebidos, ou que tem memória curta, vou adocicar o que vos falo, Ivan é o Cara-de-espinhas. Exato!

"Tchhh... Ivan... cof... Ivan, na escuta?... Tchhh"

Projetei uma rouquidão teatral:

- Responde, Ivan!

A luz da lanterna escalou a parede, afastando o cobertor de trevas que me guardava. Primeiro descobriu o rosto e destacou o olho amarelo incandescente, e logo me deixou em foco, como a estrela principal de uma ópera. Eu estava ali, grudado na parede, uma aranha humana de ponta cabeça, observando-o da escuridão.

Ivan deu dois passos para trás e tropeçou nos calcanhares e martelou o chão com a bunda e largou um uuuuffs...

E não teve nem mesmo tempo de pedir perdão a Deus!

Caí à sua frente de um salto, envolvi aquele pescocinho fino e febril com uma mão gelada de fúria, com a outra, alcancei um pedaço de fio partido e o puxei mais para fora da tubulação. Acho que nem eu mesmo consigo descrever o prazer doentio de descarregar meu ódio naquele flagelo de gente. Aproximei nossos rostos, ele vidrou no olho cinza sem vida, gritou de pavor através do olhar aquoso, a boca recurvada não conseguia nem gemer. O fio descascado ficou a um dedo do rosto melado de suor.

- Você não parece tão homem agora, Ivan.

- Muuuunnhhh... uuuung...

- O que foi? Fica fácil quando o outro está algemado, né? Mas, pra sua sorte, sou um homem de energia contagiante. - Recuei o punho que segurava o fio. - Por isso, vou mandar você pro inferno num trio elétrico!

Memórias Rubras. Episódio 2 - Lança.Where stories live. Discover now