Capítulo 2.3

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Perdi as contas de quanto tempo havia passado naquele inferno. Nem mesmo quando o cientista ridículo cita o dia no gravador presto atenção. A cicatrização do fogo é lenta demais. As duas queimaduras do peito já estão quase saradas, mas a do antebraço ainda tem resquícios bem aparentes. Será que os outros como eu também sofrem desse mal?

A dosagem de sangue vinha contada, sempre misturado ao de Ângela. As várias noites até aqui me trouxeram de presente: articulações separadas, ossos fraturados, ossos esmigalhados, presas arrancadas todas as noites, choques de alta tensão, cegueira completa. Eles arrancavam dor de mim, eu arrancava incredulidade, admiração e pavor deles.

O carcereiro abriu a porta, Matheus entrou. Sozinho. A barba estava enorme e mal cuidada, olheiras enegrecidas contornavam o olhar abatido. Pequenas rachaduras brotavam da boca ressecada. Notei que emagrecia a cada dia.

Ele se deformou em uma cara carrancuda, estapeou e agarrou meu rosto com força, tirou-me do chão usando apenas uma mão. A outra segurava o terço com firmeza.

Outro que tinha força incomum. Mais estranho ainda, levando em consideração sua atual condição frágil.

— Qual o maldito segredo, George?! — O olhar não condizia com o do homem que tinha me capturado. A voz era trêmula e mais fraca. — Preciso da porra do segredo da imortalidade!

— E por quê? Por que, Matheus? Seus amigos sabem o motivo de eu estar preso esse tempo todo? Por acaso sabem que você quer virar aquilo que caça?

Ele me soltou, girou em torno de si, deu alguns passos para lá e para cá, o som das botas pesadas fizeram companhia ao do gotejar dos canos.

— Você não entenderia! — Parou, encarando uma parede descascada e encardida.

Observei-o com mais atenção. Corpo levemente curvado, mãos nervosas. Não fazia sentido. Há poucos dias, Matheus era robusto, tinha rosto firme e postura elegante. Parecia ter envelhecido dez anos nesse pouco tempo.

Ele encheu o pulmão para continuar a falar, como alguém que acaba de terminar uma maratona, e uma tosse violenta o atacou. Grânulos de sangue coagulado voaram pela boca e decoraram a parede. Ele catou um lenço e limpou os lábios. Mais tosses, desta vez, prolongadas. Os pulmões o obrigaram a se curvar e cair sobre um joelho. Matheus respirou fundo, pôs a mão sobre o peito, inspirou devagar, expirou lento, inspirou devagar, expirou lento, até se recompor.

Aquilo me fez abrir um sorriso largo.

— É isso! Você tá doente, Matheus! Tá morrendo!

Ele se aproximou a passos rápidos, o olhar alucinado.

— É por isso que preciso saber como vencer a morte! Como vencer minhas fraquezas!

A doença que o degenerava se tornou a alegria que me rejuvenescia. A apatia deu espaço à ironia.

— Obrigado por me dar um motivo a mais pra resistir. E não se preocupe, se depender de mim, você queima no inferno!

Ele rosnou. O punho cerrado decolou como um torpedo e arrancou meu maxilar do lugar. Alguns dentes dançaram soltos sobre minha língua.

Uma merda! Eram os mesmos que tinham renascido há algumas noites.

Cuspi um a um, sorri para ele.

— Eles crescem de novo.

Uma sequência de socos e chutes deixou hematomas e cortes em meu rosto, algumas costelas se partiram. O infeliz me bateu até perder as forças. Cambaleou para trás e caiu sentado.

Memórias Rubras. Episódio 2 - Lança.Where stories live. Discover now