Capítulo 1

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Vinte e cinco andares.

Dali era fácil ver grande parte da cidade; onde sua sujeira mais se acumulava, bem como onde fedia menos.

Fechei os olhos, deixei a audição viajar.

Sirenes de viaturas de polícia e ambulâncias. Vozes mescladas, de várias pessoas desconhecidas.

Alguém pedia socorro em uma viela próxima, entraria para as estatísticas de homicídios ou roubos dentro em breve; um homem implorava desconto para foder com um garoto de programa; em algum apê próximo, mais um menino acordaria com um olho roxo após a chegada de uma mãe drogada e furiosa com as ruas.

Ainda era cedo, não passava das vinte e duas horas. Agora procure imaginar como isso tudo funciona na alta madrugada.

O vento forte espalhava meus cabelos compridos e quase tinha uma voz assobiante. Sentia as bordas do parapeito sob as solas dos sapatos, da metade do pé até os calcanhares. Abri os olhos, enxerguei o chão, lááááá embaixo. Estava no telhado, voltado para um beco escuro, recheado de lixeiras transbordando sacos negros de lixo; ratazanas faziam a festa por entre os entulhos e as paredes dos prédios somavam sua cor cinza ao restante de uma cidade quase monocromática.

Não vou dizer que respirei fundo por que... Ah! Você já sabe como funciona!

Mas, olhando daqui, e dessa altura nunca tentada antes, uma sensação formigante arranhou minhas tripas, o coração teria disparado com a adrenalina, acaso não estivesse tão morto quanto o resto do corpo pálido e frio.

Contraí os lábios e mexi os joelhos de forma alternada, saboreando da ânsia que tentava me fazer não saltar.

Tudo pela "pesquisa científica" de mim mesmo.

Entrelacei os dedos e virei as palmas para fora, estalando cada um.

Cerrei os dentes, abri bem os braços, pendi o corpo para frente, deixei a gravidade fazer seu trabalho.

O pescoço exibiu tendões e músculos contraídos, os calcanhares descolaram do parapeito, atingi o ponto irretornável, à noventa graus, estômago avessado...

...veio o mergulho.

O ar batia com ferocidade contra mim, o chão se preparava para me golpear, as sacadas sussurravam vush vush vush à medida que eu passava por elas como um foguete em queda.

Poucos metros para atingir o entulho, girei no ar, mas não consegui desacelerar como deveria.

— Meeeerda!!!

Na verdade até cheguei a fazê-lo, mas havia passado do ponto e os pés já tocavam o solo quando a queda resolveu ficar leve, apenas reduzindo os estragos.

Bati os calcanhares com força, uma dor aguda subiu pelas pernas e atingiu a região lombar. Deu para ouvir o estalar de ossos trincando. O corpo cedeu para trás e atingiu a lixarada, de onde dezenas de ratos fugiram.

Carros e pessoas passavam para lá e para cá, fora do beco, à minha direita.

Tentei mover os pés. O tornozelo esquerdo fez um movimento estranho e dolorido; quebrado. A dor, que não era tão forte quanto deveria ser, logo cessou. Bastaria aguardar a reconstrução óssea, o que não tardaria, por ser uma lesão pequena. Relaxei sobre a imundície, cruzei os dedos acima da barriga, alternei olhares entre a borda do prédio do qual havia saltado e o céu de nuvens roxas e varridas.

Ok, George, nada mais que vinte andares!

Os sons e aromas da cidade infestavam meus sentidos.

Alguma vez já disse que é maravilhoso ter sentidos tão poderosos?

****

Pés recuperados.

Atravessei a rua, peguei a picape. Um bom banho em casa, roupas limpas e caras, rumei para o Ed's Bar.

Pode rir, mas o que você acha que aquela besta escolheria como nome? Tentei avisar que tava uma porcaria, mas...

O letreiro roxo luminoso exibia o nome do lugar — a cor também foi ele quem escolheu. À frente da boate duas filas quilométricas esperavam pelo acesso; uma para a bilheteria, a outra para entrar.

— Boa noite, senhor! — disse um dos seguranças, que poderia ser usado como uma porta dupla.

— Boa noite, Rafinha! Dani? — Fiz uma reverência de cabeça para o outro.

— Boa noite, senhor George! — Também era grande feito um armário. Empurrou uma banda da porta negra dupla e logo o som de música eletrônica me deu as boas vindas.

V. I. P's não pegam filas.

Cruzei o corredor acarpetado, de paredes aveludadas. Gostava de como meu terno branco ficava sob a luz negra. Dançarinas faziam seus shows de pole dance, com lingeries de matar qualquer um que gostasse de mulher do coração. Os clientes procuravam as mesas mais próximas ao redor das bases de sustentação das barras, prendendo cédulas nas finas tiras que elas ousavam chamar de calcinhas.

Por trás do bar, barmans e bargirls davam shows preparando drinks especiais.

Ah! Não, não, não! Desta vez, Ed não estava lá! Melhor dizendo, não ficava mais lá.

O pançudo estava era refestelado sobre um sofá em formato de meia lua, que circundava uma mesa repleta de bebidas. Vestia um blazer digno, capaz de abrigar uma família inteira é verdade, mas ainda assim, um blazer.

Abriu um sorrisão ao me ver, o dente de ouro brilhou onde meses antes havia um espaço aberto. Cada um de seus braços envolvia uma mulher — fizera as pazes com o desodorante, sim! Largou-as, o couro do sofá rangeu quando ele levantou para me estender a mão.

— Faaaaala, chefe! — Gritava para superar o som.

— E aí, Ed?! Casa cheia, hein?!

— Ora, chefe! Não é à toa que a boate ganhou o título de melhor da cidade!

— É! — Olhei ao redor. Seria mais uma noite de casa abarrotada.

Uma das garçonetes chegou à mesa com mais um drink e o entregou a Ed. Antes de sair me cumprimentou com um aceno de cabeça, respondi com um tapinha em sua bunda.

— Então, chefe?! Curtir ou trabalhar?

Estiquei um sorriso.

— Como estão as mesas de poker hoje, meu amigo fofo?

— Cheeeeias!! — Abriu os braços, sorriu feito criança, ergueu as sobrancelhas.

— Então, Edinho, farei as duas coisas!

Pisquei o olho cego.





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Abraços.

Memórias Rubras. Episódio 2 - Lança.Donde viven las historias. Descúbrelo ahora