Capítulo 1.3

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O sacolejar me despertou. Meus sentidos ainda tentavam se reestabelecer. A primeira imagem que se formou foi a de meu tórax e o resto do corpo ajoelhado, sobre um piso forrado com carpete veicular. Um incômodo na testa me fez perceber que a faca ainda estava cravada. Os pulsos foram algemados acima da cabeça, mantendo os braços esticados. Aos poucos, a audição denunciou o som de motores automotivos, tanto do que me carregava, quanto de alguns que passavam esporadicamente do lado de fora. Estava num carro de transporte de cargas. Talvez num furgão. Observando à minha esquerda, vi os bancos, onde sentavam dois homens. Nenhum deles me notou acordar.

Equilibrei as pernas, fiquei de pé. As algemas tinham correntes que me ligavam direto a uma haste de apoio, soldada à própria estrutura do veículo. Enrolei cada corrente à respectiva mão e forcei. Daria trabalho.

Estava mal alimentado, com pouco sangue, portanto, deveria agir com inteligência e rapidez. Concentrei-me, o coração bateu uma vez e bombeou um pouco do líquido vermelho para cada um de meus braços. Senti um calor alimentar os músculos e aumentar a força. Apoiei um pé à parede do furgão, quando estiquei as correntes, joguei o outro pé, forçando o corpo para trás. Ouvi um dos elos começar a ceder. Mas o esforço foi tamanho que não pude conter um gemido grave.

— Ei! Ele tá tentando se soltar!

Era o motorista que falava, olhando pelo retrovisor. O outro virou o rosto em minha direção e nem hesitou.

— Deixa comigo! — Procurou espaço entre os bancos e tentou passar para trás. Era bem grandão, o que tornou sua passagem por cima dos assentos demorada.

Um dos elos arrebentou na base, deixando uns quarenta centímetros de corrente ainda preso ao meu pulso. Usei as duas mãos para continuar forçando a outra.

Ele estava quase na parte de trás do furgão.

A outra corrente cedeu na metade.

O grandão passou por completo e veio como um demônio furioso.

Urrou quando se aproximou. Rodopiei a corrente no ar e ataquei seu rosto. Ele esquivou fácil e subiu com um gancho calibrado. O cérebro chacoalhou. Ataquei com a outra mão, o maldito aparou, agarrou meu antebraço e girou sobre os calcanhares, passando a outra mão às minhas costas. Agachou, encaixou o quadril na altura das minhas coxas e puxou. Rodopiei por cima dele e me estatelei de costas no chão. Ainda em posse do meu braço, o maldito o torceu, colou o joelho no meu cotovelo e... crack!

— IIIIIIIIIIIIIIIAAAAAAAAAAAAAAAAAAHHHHH!!!!!

Fratura exposta.

O brutamontes me agarrou pelo pescoço com uma mão e me tirou do chão com facilidade extrema, atingindo meu crânio no teto do carro. A lataria amassou e um som de osso rachando ribombou dentro da cabeça. Ele arrancou a faca da minha testa. Uma liga de sangue acompanhou a lâmina e se dissipou em gotas, manchando suas roupas e o chão. Girou a arma em um corte lateral que atingiria minha garganta. Ergui o braço bom e usei a palma da mão para defender. Tchoc! — O objeto atravessou a carne, mas cessou o movimento.

Então fiz o que dava para fazer.

Apliquei um chute, com toda força que pude, no meio das pernas do desgraçado. Ele me largou e levou as duas mãos ao saco, curvando-se.

O motorista reclamava lá na frente, coisas que eu nem entendia, mas não parou o veículo. Confiava no trabalho do outro, por isso, seguia destino, certo do êxito.

Aproveitando a vulnerabilidade do grandão, girei para suas costas e apoiei um joelho contra ela, passei a corrente por seu pescoço, forcei a coluna para trás, tentando um estrangulamento.

Memórias Rubras. Episódio 2 - Lança.Where stories live. Discover now