Capítulo 61 - Sombras de um Passado Jamais Esquecido

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23h25min, 7 de setembro – Condomínio de Salvador Lavezzo

Desperto pelo toque irritante e contínuo do alarme, Salvador deslizou sobre o capô do blindado e tombou contra a grama junto aos estilhaços de vidro. Virando o dorso, apoiou-se sobre as palmas das mãos e esticou os braços, antes flexionados, até conseguir se levantar.

Refeito da pancada, tentou equilibrar-se enquanto, a cada passo cruzado, o mundo ao redor girava em outro compasso. Consumido por um zumbido infernal, buscou por apoio na estrutura do escritório. A pressão era tanta que sentiu como se estivesse embaixo d'água, até que sua cabeça despressurizou.

— Cacete de vidro blindado... — resmungou sozinho, ao passo em que se escorava sobre os escombros. — De onde eles tiram essa gente?

Pouco se via em meio à poeira de nuvem cinza repleta de concreto e óleo diesel. Alheio às roupas de grife, tanto quanto aos bens materiais que o cercavam, Salvador Lavezzo regressou à sua face animalesca. A batida havia sido violenta e pior ainda o impacto, ao colidir duas vezes contra as vidraças blindadas. Havia quebrado um braço, além da fissura que renderia mais de dez pontos na testa. Por um milagre permanecia de pé e consciente ao ponto de reaver sua Beretta, próxima ao para-choque.

A intensidade da chuva aumentou e as gotas, explodindo sobre o solo, deixavam-no atento a qualquer ruído. Seus instintos foram aguçados pelo som da trovoada. Não se tratava mais de um empresário, mas outro sobrevivente. Com o cano da pistola rente a face, contornou o capô e chegou à porta do motorista, contudo não encontrou ninguém. Era óbvio que, depois daquela pancada, o invasor não teria ido longe, vide a enorme mancha de sangue na parte interna do para-brisa. Quem sabe fosse parte de um jogo. Uma caçada, afinal, Palacci fez o favor de colocar Mazzaropi em seu caminho. Um profissional que superou a maior das provações: manter-se vivo por mais de quarenta anos.

— Vem cá, filho da puta... — olhava de um lado para outro, temeroso, segundos antes de ser engolido por um intervalo escuro.

***

Deveria cumprir a missão de retomar os acres de seu patrão, dominados pelo grileiro conhecido como Coroné Tião. Sem armamentos, homens ou fé, Salvador fez da ganância a força motriz para superar qualquer adversidade. Seria a última missão antes de abdicar daquela vida de imediato e tornar-se dono de seu próprio destino. Já havia traçado metas, corroborado com novos aliados e investido o pouco que conquistara. Abraçaria aquela oportunidade, sem se importar com as consequências.

Mais de quinze homens, forçados pelo medo da morte, discutiam. Dessa vez as ameaças não surtiriam efeito. Uma coisa era consentir com ataques contra um "coronel" da região, outra era lançar-se a uma investida suicida com três armas velhas e a desnutrição de uma vida. Então, eis que um menino levantou a mão.

— Eu . — disse a mirrada criança.

— Você tem quantos anos? Dez? — Salvador lembrou-se que o menino era um pouco mais robusto que as demais crianças.

— Tenho doze anos e me chamo Nazareno, sinhô — Levantando a cabeça, o menino agia como um soldado. — Vou ou não?

— Só se me disser por quê — Como não tinha a quem recorrer e ainda necessitava de uma isca, interessado na força emanada pelos odiosos olhos da criança, viu-se obrigado a consentir.

— Eles mataram minha família, mas com a ajuda do sinhô vou arrancar a língua deles tudinho — mostrando energia acima do normal, Nazareno se controlou para não chorar. — Vamos?

Observando com orgulho a determinação do pequeno voluntário, interessado em saber como usaria aquela raiva a seu favor, Salvador lhe deu uma de suas pistolas junto a um carregador. Havia algo de especial. Nunca se esqueceria daquele sorriso, típico de uma criança que estava prestes a brincar de algo novo. Caso sobrevivesse, aquele projeto de gente se tornaria um de seus melhores seguranças. Por este motivo agradeceu a um Deus qualquer pelo achado.

Bella Mafia - Dinheiro se lava com SangueWhere stories live. Discover now