Capítulo 65 - Serpente Amiga

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23h50min, 7 de setembro – Condomínio de Salvador Lavezzo

Em alta velocidade, o veículo quicava sobre o chão de paralelepípedos. Dali, Nazareno já enxergava os portões da área de serviço e, acelerando ainda mais, faiscando o solo, ultrapassou a barreira dos 120 km/h.

O que começou como uma vingança pessoal lhe renderia bons frutos, pois, cumprindo com a missão de ceifar a vida de Salvador Lavezzo, também trazia consigo o pistoleiro Régis Tupinambá e a vitória sobre o mítico Mazzaropi.

***

De costas para Mazzaropi, Nazareno curvou-se o máximo que pôde, enquanto colocava o corpo de Tupinambá dentro do porta-malas. Não teria tempo de reagir. O revólver estava há centímetros de sua mão e os últimos segundos esgotados. Um saque certeiro era o que lhe restava, porém o alarme de sua morte soou. Logo, um sopro o tombaria com um rombo do tamanho de uma maçã na cabeça, caso não fosse à mão de Régis Tupinambá que, empunhando o revólver antes preso às suas costas, disparou às cegas por dentro do blazer.

Três estrondos vararam a noite. No horizonte o silêncio cortante, até que um desgovernado Mazzaropi balbuciou algo incompreensível e sua pistola veio ao chão. Era impossível, mesmo para um assassino gabaritado, prever algo tão improvisado quanto aquele ataque.

A mão de Tupinambá vazava as costas de seu blazer, enquanto o cheiro de pólvora queimada pairava pelo ar. Ao virar-se em direção a Mazzaropi, Nazareno o viu caminhando em marcha ré, enquanto uma flor sangrenta desabrochava de seu peito até desabá-lo sobre o manto âmbar. Ainda não acreditava no que seus olhos testemunhavam. Tupinambá era mesmo o "casca grossa" da família e, por esta razão, o desarmou — quebrando seu braço — e lhe deu duas portadas na cabeça, antes de trancá-lo no porta-malas.

Desfrutando da doce vitória, Nazareno voltou-se a Mazzaropi. O temido rival mal tinha forças para respirar. Seus olhos pareciam buscar por algo inexistente à medida que, reconhecendo os frames de uma sombra, assustou-se com o cano que iria apresentá-lo o gosto da derrota. Jazeria por aqueles jardins, caso não fosse lançado ao mar ou triturado feito lixo. Urinou-se e, antes que pudesse fechar as pálpebras, um disparo espalhou seu cérebro pela grama. Este era o fim.

— Sabe por que tu é o Número Um? — falou Nazareno, antes de esmagar o restante da cabeça do defunto a pisadas. — Porque é o primeiro a rodá. Babaca mitido a gente!

— O serviço está fugindo do palco — dizia uma voz feminina quase inaudível, na altura de seu pé.

Curioso com o termo "serviço" e logo o associando ao prêmio principal da noite, Nazareno pôs a cabeça mais próxima aos pedaços de crânio amassado, até que descobriu um pequeno comunicador.

***

Em um mísero dia fizera mais estrago do que boa parte dos matadores de aluguel ao longo da vida. Só lhe restava encontrar o contratante real e despachar as encomendas para que, assim, reassumisse seu posto: Copacabana e a rotina de transar com jovens ricas que buscavam emoção em seus braços fora da lei.

Veloz tal qual uma flecha, há poucos metros do portão "tirou fio" de um infeliz que, ao tentar acertá-lo, escorregou no limo que cobria os paralelepípedos. Por um instante, achou que fosse Fábio Dias, mas não voltaria atrás. Só restava mais uma curva, entretanto, engolida por uma enorme nuvem de poeira, a SUV só escapou da capotagem graças à tração nas quatro rodas.

— Merda, ele não pode tá ali... — antes de concluir o pensamento, acabou atingido pelo primeiro disparo.

Sua boca encheu-se de sangue e, por meio de uma tosse engasgada, sujou o para-brisa de vermelho. Atingido no pulmão, Nazareno pôde ver o reflexo do rosto ensanguentado de Tupinambá, assim como o freio de mão recém-puxado. Pelo espelho também descobriu o estofado do banco traseiro rasgado, depois o porta-luvas aberto, ambos imperceptíveis face ao desespero de ser capturado pelos antigos colegas.

Sem mais, num átimo, seu agressor destravou as portas e, pelos cabelos, o arrancou para fora do blindado.

— Você não salvou ele — no chão de terra batida, grunhiu Nazareno.

***

Superando as incontáveis mágoas que molestavam tanto o corpo quanto a alma, ao ouvir os desaforos, Tupinambá não se sentiu mais o mesmo. Fora do compasso, estava perturbado com a própria covardia.

— Seu Judas de merda! — Nazareno apontou-lhe o dedo.

O dedo em riste, voltado em direção ao seu rosto não deveria significar nada além do que o desespero de um sentenciado a morte. Aquela não seria a primeira e nem a última vez em que alguém o acusaria antes do tiro de misericórdia. Porém, abdicando da indiferença costumeira, Tupinambá o atingiu com um disparo na mão antes esticada. Apesar de ignorante, Nazareno não era um idiota e muito menos ingênuo. Sabia o que estava falando e viria a se tornar um problema caso sobrevivesse. Ninguém poderia negar, ele tinha presença de espírito.

— Foló da porra! Tava entocado aí o tempo todo e deixou ele morrer — gargalhando em pequenas convulsões, Nazareno berrou, enquanto pressionava a mão atingida. — Ele confiava em você, Mudo!

Apedrejando-o através de palavras, Nazareno não havia matado apenas seu melhor amigo. Ele também o matara. Fez isso desde o instante em que, ao apontar o revólver contra a cabeça de Salvador, o forçou a ser covarde e ver naquilo a oportunidade de se livrar da vida miserável que levava. Ao ver o rosto do amigo deformar-se numa máscara de sangue, Tupinambá lembrou-se da mulher, dos filhos e dos anos abdicados para servi-los com excelência. Depois de tantos anos no topo da organização, talvez não fosse digno do posto de destaque; pelos menos ninguém saberia sobre o seu fracasso.

— Gavião, algum sinal desse filho da puta?— interrompendo seu próximo ato, através do rádio preso à cintura da vítima, ouviu a voz de Macedo.

— Ele escapou, senhor, mas não vai longe sem um pneu — respondeu o franco-atirador, recebendo em seguida uma tréplica cheia de ódio.

Encoberto por uma sombra de quase três metros, Nazareno fincou os dedos na terra tentando içar o restante do corpo. Morreria menino, sem conhecer os dissabores da vida. Arrastou-se por mais um metro atrás do revólver largado sobre o tapete do veículo, no entanto, sem dó algum, Tupinambá explodiu outra carga, desta vez sobre sua coxa.

Consumido pelo gosto ferroso da derrota, numa última afronta, Nazareno cuspiu sangue sobre os sapatos do atirador.

— Dê fim nisso, covarde do caralho! — berrou, no entanto, em vez do tiro de misericórdia, sentiu os enormes dedos de Tupinambá invadir sua goela e arrastá-lo, pelo maxilar, rumo à fossa do condomínio.

— Está resolvido. Câmbio e desligo — em posse do aparelho, deu fim à angústia dos colegas.


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Bella Mafia - Dinheiro se lava com SangueOnde as histórias ganham vida. Descobre agora