Bella Mafia - Dinheiro se lava com Sangue

Capítulo 50 - O Senhor da Guerra

22h50min, 7 de setembro – Condomínio de Salvador Lavezzo

Numa sociedade dividia, acostumada a códigos binários, para o cidadão comum existem apenas os homens que estão de acordo com a lei e os que estão à margem dela. No entanto, prova viva de que o mundo não era binário e muito menos linear, num plano ortogonal existia o bilionário Riccardo Treviso que, batizado como Giuseppe Maiolino, apesar de figurar há mais de sessenta anos na lista dos mais procurados da Interpol, no Brasil possuía influência parlamentar sobre os principais legisladores e magistrados do país, estando acima da lei.

Mítico perante os demais membros da organização e sobrevivente ao pelotão de fuzilamento de 1944, Giuseppe Maiolino fora o único a permanecer de pé diante da execução das famílias mafiosas de Paola. Liderados pela ideologia fascista, os Camisas Negras de Mussolini o atingiram com dois tiros nas costas, enquanto dezenove mortos tombaram ao seu redor. O povo bradava tamanho milagre e, aos sete anos de idade, sentindo o caldo do próprio sangue escorrer por seu corpo nu, descobriu que o preço de se filiar aos Amigos era sustentar seu nome até a morte, pois, com vida, poucos sairiam daquele círculo.

Décadas mais tarde, cansado dos esconderijos subterrâneos e forças policiais italianas em seu encalço, Giuseppe Maiolino, ao refugiar-se na Colômbia, desfez-se de tudo, inclusive do próprio nome, para desfrutar do dolce far niente nas praias de Cartagena. Diferentemente dos amigos que morriam por um mísero pedaço da "velha bota", ao peregrinar pela América do Sul aprendeu a dialogar com a língua do poderio militar, tornando-se um dos mentores da nova rota da cocaína no eixo Colômbia-Brasil-Suíça, esquema que poucos meses depois lhe abriria as portas do então país do futebol.

Mensalmente, milhares de dólares cruzavam o país através das fronteiras bolivianas, assim como pelos portos de Santos e Paranaguá. Um esquema que perdurou intocável até o fim da década de noventa, quando, pressionados pela Polícia Federal, foram obrigados a subir de nível através de financiamento de campanhas políticas em troca de concessões públicas e informações privilegiadas. Um salto no exato tamanho de sua perna.

Desfrutando o néctar de uma recém-democracia, apoiados por Desembargadores, Ministros, Senadores e até um Presidente da República, Treviso e seus aliados transcenderam a ilegalidade dos entorpecentes e, em menos de uma década, passaram dos milhões para o bilhão, ampliando sua rede de influência, em especial no ramo de distribuição de energia, contando com aliados desde o direcionamento na licitação para as obras das usinas hidrelétricas até o subsídio do polo mineral e metalúrgico de grande parte do Nordeste brasileiro.

Sobrevivendo a ditaduras e democracias, entranhado no cenário político brasileiro há mais de trinta anos, aos olhos das autoridades, Riccardo Treviso não passava de outro megaempresário bem sucedido que, empreendendo no ramo certo — a corrupção —, detinha centenas de empresas dos mais variados segmentos. Cinco décadas após ter chegado como um clandestino na América, quem diria que Riccardo Treviso se tornaria um dos barões da Região Nordeste e figura central para alguns personagens do atual congresso brasileiro. Um homem com fama de justo e bom pagador. Outro senhor católico, de rosto simpático e bochechas rosadas que, em vez de desfrutar da bonança da terceira idade, optou pela adrenalina de seu escritório, seja para intermediar a compra de submarinos colombianos para seus amigos calabreses, seja para financiar bancos e ruas inteiras em Bruxelas. Uma mescla perigosa da educação punitiva do medievo com a interação de um mundo globalizado.

Autoridade máxima dos Amigos, Riccardo Treviso tornou-se um ícone em defesa da comunidade ítalo-brasileira. Era um homem poderoso, porém sábio o suficiente para encarar a vida com os pés fincados na mesma terra que seus semelhantes, mostrando que mais vale um homem razoável em paz e rico, do que outro ganancioso que rouba mais do que os braços podem carregar.