Capítulo 33 - O Filho Pródigo II/II

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21h45min, 7 de setembro – Condomínio de Salvador Lavezzo

Interrompendo o doce silêncio da noite, ouvia-se, ao longo da rua, o morder metálico de um alicate.

Traiçoeiro feito um felino, aproveitando-se da pouca iluminação, Nazareno enganchou-se entre os arames e se livrou da concertina, assim como da cerca elétrica.

Sobre o muro, hesitou por alguns segundos. Algo não lhe cheirava bem. Nenhuma das câmeras havia registrado a sua chegada e, como se não fosse bastante, lembrou-se dos seguranças com cães de guarda, em frente à cancela, inclusive de seu superior Fábio Dias, um homem sem escrúpulos. Então, evitando qualquer erro que denunciasse sua posição, desconectou o cabo de alimentação dos sensores de movimento, com uma ferramenta isolada.

— Esmola demais até o santo desconfia — como uma gárgula, sondando os jardins abaixo, percebeu que não havia lança alguma por dentro dos arbustos.

Pulando além-muro, quase perdeu o equilíbrio, só que, ocultado pela densa vegetação, em posse de seu calibre 380, caiu em rolamento e correu.

***

Ciente do que estava acontecendo, fora da guarita e ouvindo os gemidos do possível invasor, com sua Heckler & Koch MP5 silenciada em punhos, Fábio Dias levantou seus olhos estrábicos e, quieto, recolheu o armamento. À sua frente, uma parede salpicada de sangue e cinco soldados mortos.

***

Escondido próximo ao pátio do estacionamento, já trajado com o esporte fino que levava na bolsa presa às costas, Nazareno atingiu uma das ruas de acesso ao salão. Caminhando com dificuldade, não conhecia palavras para expressar o que sentia naquele momento. Estava ansioso, quiçá tomado pela euforia. Após tantas tragédias, há um ano, naquela mesma data, a noite também fora especial. Na época, as más línguas diziam que, após a comemoração do aniversário, ele enfim se tornaria membro da família; mas quis o destino virar as velas de sua fragata rumo a um mar revolto, abandonando-o sobre um lamaçal qualquer.

Aquele seria o último dia de sua vida, caso não fosse a piedade de Giovanni Lavezzo, que, ao atirar rente à sua orelha, o lançou vivo dentro da vala. Uma oportunidade que, somada à influência de Don Treviso, seria a chance de terminar com diversos assuntos inacabados. Hoje, seu corpo ainda doía e o pivô ausente o fez lembrar-se com ódio do maldito condomínio. Bastava pular o muro lateral e entrar em contato com o Número Quatro. Porém, ao fincar o pé de apoio no gramado, um rottweiler o atacou na altura da panturrilha.

Derrubado pelo cão enganchado à sua perna, Nazareno rolou pela grama. Munido com um canivete que trazia junto à cintura, desferiu mais de vinte estocadas entre os olhos da besta, que, tão valente quanto ele, balançava a cabeça, dilacerando-o o até tombar morta. Reerguendo-se novamente sob o efeito anestésico das drogas, Nazareno se pós de pé. Comprimiu o ferimento, tentando dar sequência à missão. Sabia que os cães eram treinados para incapacitar o invasor, enquanto os seguranças de ronda, avisados pelos latidos, se incumbiriam de "limpar a sujeira". Por este motivo, esforçou-se um pouco mais, contudo, dez passos à frente, acabou cercado por uma matilha.

As feras amontoadas reduziam o espaço de fuga, enquanto, sem desgrudar os olhos dele, pareciam ansiosas pelo néctar da mordida. Sem ter para onde correr, Nazareno esticou o braço e pôs a ponta da faca em frente ao corpo e deu alguns passos para trás, no mesmo instante em que uma delas, tal qual um lobo, avançava lentamente, encarando-o com ódio. A qualquer instante o bote seria dado. Era matar ou morrer; então, decidido a acabar com o fator surpresa, esboçou sacar o revólver quando, antes de alcançar o gatilho, o sangue manchou sua vista de vermelho, espantando suas forças. Os cães foram sumindo um a um, inclusive a maior das feras que, encarando-o com seus olhos castanhos, desapareceu na penumbra.

Bella Mafia - Dinheiro se lava com SangueOnde as histórias ganham vida. Descobre agora