Capítulo 15 - O Filho Pródigo I/II

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Domingo, 07 de setembro, 18h00 – Tijuquinha – Barra da Tijuca

A noite era quente ao ponto de derreter o tutano dos ossos. O ambiente fedia a suor azedo, enquanto sobre alguns colchões de enrolar Nazareno olhava para o teto composto por telhas de amianto. Um ano havia passado e, raquítico ao ponto de os ossos quase irromperem a pele, em nada lembrava a fama de pistoleiro inato, que só sossegava a fúria no gatilho. Sequer conseguia dar cabo dos poucos "serviços" encomendados ou manter-se longe da "pedra". Depois da infausta punição, sua vida havia virado de ponta a cabeça. Culpa daquele em quem confiou seu amor. Um golpe sujo, dado por seu pai adotivo.

***

— Olha pra porra do chão — dizia Salvador Lavezzo ao enfiar a pistola em sua nuca. — O seu mal é pior que um câncer — fitava-o de cima a baixo. — O seu mal é a burrice.

Melado com o próprio sangue, Nazareno não tinha ideia do quanto durava aquela agonia: dias, horas ou minutos? Humilhado pelo homem que um dia chamou de pai, num passe de mágica seus amigos sumiram, da mesma forma que o dinheiro fácil e a segurança de ser um intocável, pois diferente dos peixões, não possuía berço de ouro ou a influência necessária para ser insubstituível. Este seria o seu fim. Punido sem o mínimo de razoabilidade, de joelhos na cova chorou como uma criança.

O corpo doía, mas nada se comparava ao mal contra sua alma. Marcado pela desilusão arrependeu-se de hesitar durante a reação e, com os braços quebrados, lançado de quase três metros de altura, aguardava pela morte numa vala clandestina que, tão impiedosa quanto Salvador Lavezzo, não pensaria antes de soterrá-lo vivo.

***

A despeito dos olhos grandes quase pretos, as trevas constituíam parte de seu ser. Forjado a ferro e fogo, Nazareno de Jesus, desde os dez anos de idade, havia aprendido o que era ter gosto pela morte, contudo, a lembrança daquele dia nunca o abandonaria. Eram apenas ele, o medo de morrer e as dezenas de perguntas. Um ano já havia se passado, mas as palavras de Salvador Lavezzo, assim como o sabor do esgoto, jamais seriam esquecidas. Socos, pontapés, afogamento e muitas ameaças, mas o estouro não chegava. Encontrava-se repleto de lama e destituído de qualquer dignidade. O suor salgado, mesclado com sangue, tinha um aroma ímpar e a cada lembrança parecia mais insuportável como o cheiro de vala.

Já dizia o velho ditado: que um homem não vale o que é, mas o que tem ou o que pode oferecer. Se na política o valor de um candidato é medido pelo número de votos angariados para a legenda, com os Amigos não seria diferente. Caso produza dinheiro, concessões podem ser feitas e como não passava de mais um "sem futuro", pagaria com o próprio sangue. O mesmo fim de tantos outros jovens encontrados nos subúrbios cariocas que caíam do cavalo muito antes da hora.

O cachimbo de vidro queimou seus lábios. Despertou do estado de catarse e escutou uma sequência de sons. Os traçantes sem endereço cruzavam o infinito. Gritos, estampidos e palavrões avulsos. Novamente olhou para o vidro estalado e as pedras sobre a mesa, mas desviando sua atenção, pôde ver a realidade, no formato de um traçante, cruzar a vespertina. Algo de ruim estava prestes a acontecer. O mais prudente seria sair dali enquanto tinha oportunidade, no entanto, perdendo o controle das funções motoras, caiu de bruços e espatifou o cachimbo junto ao peito.

***

O sol da vida e morte nordestina estava a se pôr. O céu cor de rosa padecia diante o último raiar. Eis que o luar do sertão vazou a escuridão junto à mata brilhante, a chuva de prata.

Fruto do cenário mais ignorado pelo Estado brasileiro, não passava de mais uma carcaça raquítica, chamuscada pelo sol e explorada por um fazendeiro bravo, de posses, batizado Sebastião Silva, porém, conhecido pelo título de Coronel.

Bella Mafia - Dinheiro se lava com SangueWhere stories live. Discover now