Capítulo 58 - Fim da Ilusão

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23h20min, 7 de setembro, – Condomínio de Salvador Lavezzo

Consumido por um aperto descomunal, Salvador despertou de outro pesadelo. Ao seu redor o mundo girava em câmera lenta quando, dando conta da realidade, descobriu que não existia ligação alguma de Helena, a morte de Lucca, o estouro de seus miolos ou qualquer paralelepípedo pintado de vermelho. Ali, tomado pela chuva, havia tão somente um homem desorientado pelo contínuo espaço-tempo, levando consigo uma pistola e o pendrive escondido na cueca.

Recostado sobre o tronco de uma palmeira, Salvador observava, sem dar a devida importância, a chegada do carro da família. Acima de tudo que já havia acontecido na última hora, a imagem de Helena ainda o incomodava e, encasulado pelo instinto de autodefesa, optou pelo caminho mais fácil, imaginando o que não sabia, envenenando a imagem da mulher ao ponto de considerar a traída como uma traidora. Deveria mostrar ao mundo quem ela era. Arrasá-la como com qualquer pentito, matando-a, sequestrando seus parentes, minando sua credibilidade e tornando seu futuro ainda mais incerto, porém, mesmo que a odiasse, não poderia fazê-lo. Amava-a mais que tudo. Sofria não por causa do divórcio, da depressão, da violência, mas pelas péssimas escolhas. Escolhas que o deixaram de cueca, encharcado e imundo de terra, capim e sangue, tal qual um mendigo fugindo da execução num descampado.

Assolado pela culpa, só lhe restava esperar pela morte redentora. A inadiável sentença. Pessoas morrem diariamente, a cada segundo, inclusive os convidados espalhados pelo condomínio. Até viu dois ou três desajeitados rolando o mesmo declive. Eles o acompanharam. Desembargadores, juízes, delegados, empresários e parlamentares, um enxame de parasitas repletos de alcovitices, largados na mesma lama que ele, fugindo do destino inexorável. Sequer chegaram a vê-lo, apenas correram feito baratas tontas contra o dedetizador.

Fossem pela guerra entre as famílias, assassinatos planejados ou os incontáveis inocentes pagando por seu despreparo, também cumpriria a pena capital. Seriam elas por elas. Ficaria no zero a zero, sem créditos no purgatório. Deu razão à experiência de Riccardo Treviso. Faltou-lhe estrutura psicológica para ser digno do título uomo d'onore. No entanto, juntando forças ao lembrar-se do filho pequeno, perseverou em direção oposta ao veículo que, ao cantar dos pneus, partiu à toda em sua direção.

Duas esferas luminosas o perseguiam com a vontade de um leão em desjejum. Seus passos não eram rápidos e o pulmão, feito brasa, roubava o oxigênio restante. Corria o mais rápido que seu corpo permitia. Os joelhos estalando pareciam se deslocar em ângulos inimagináveis.

— Corre, caralho, corre! — ouvindo o estouro de um dos pneus, virou com esperança, mas o veículo retomou farejando seu rastro.

Próximo ao escritório, Salvador sacou a pistola presa à cueca e confirmou a eficácia da blindagem do veículo. Nem mesmo o pneu traseiro estourado impediu o blindado de rasgar a noite, triturando o que estivesse pelo caminho. Sem tempo para falhas, quase sucumbindo à dor, Salvador reuniu os resquícios de fôlego esticando rua adentro. Os músculos de sua perna repuxavam e o tempo era cada vez mais curto, então, disparando de encontro ao próprio escritório, mordiscado pelo para-choque, lançou-se contra a janela no mesmo instante em que o automóvel bateu contra as paredes reforçadas.



Arrependido que aceita a delação premiada, consequentemente quebrando a Omertà.

hemeʥJ

Bella Mafia - Dinheiro se lava com SangueOnde as histórias ganham vida. Descobre agora