Capítulo 41 - Roda Viva I/II

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And did it my way

Em momentos de agonia, em meio a dívidas e descrédito, valia-se da composição como uma espécie de hino utópico; talvez para provar que, contrário ao achismo do mundo, jamais deixaria de seguir seu ideal. O sucesso ou o fracasso, independentemente do que os outros digam, só cabia a ele.

Respaldado pela coragem, certificou-se de que era melhor buscar a vitória no impossível do que amargar a derrota do nunca ter tentado. E, pensando nisso, tomou coragem em superar o próprio ego, deixando Salvador Lavezzo de lado, tornou a enxergar-se como Vicente Allò. A orfandade inventada para protegê-los perdia valor diante da saudade. A dor que entrou em suas memórias corroía seu coração ao ponto de fazê-lo soluçar ao lembrar-se de sua amada família. Primeiro pensou no velho Allò, seu falecido avô, e depois, dando atenção aos vivos, amargou a saudade de seus pais e irmã mais nova. Deveria ocultá-los do mundo em que vivia, no entanto, após as ameaças de Palacci, aceitou que tanto sofrimento havia sido inútil. Respirou fundo.

— Como o senhor está? — após digitar a sequência numérica, falou ao telefone.

— Quem fala? — respondeu a voz idosa.

O mundo inteiro pareceu desabar sobre sua cabeça com aquela simples pergunta.

— Sou eu, o Vince. O senhor nem reconhece mais a minha voz — Salvador abaixou seus olhos diante da dor.

— Lembrou que a gente existe... — respondeu após um longo suspiro. — O que houve, está precisando de algo?

— Nunca me esqueci de vocês. Na verdade, só liguei porque não sei se terei outra oportunidade. As coisas andam muito ruins — Salvador desabafou pela primeira vez.

— Do jeito que não dá pra mudar? — Pietro perguntou ao superar as cicatrizes deixadas pela vida.

— Ruim do jeito que não vai haver réveillon — Salvador respondeu sem cerimônia.

— Apenas relaxe, tenha calma. A vida ainda está começando para você, sempre foi esperto — levando a mão para massagear a testa, Pietro Allò respondeu em poucas palavras. — E o seu irmão? Ele está bem?

A conversa deveria ser prazerosa, no entanto, ambos não sabiam o que dizer. Os sentimentos estavam à flor da pele. Pela primeira vez, depois de anos escondendo-se da própria humanidade, Salvador decidiu se abrir:

— Sim, já deixei tudo arranjado pra ele. Não precisa se preocupar. Só tive vontade de falar com quem se importa comigo. Sinto falta da época em que éramos uma família, mesmo com os problemas.

Pietro se perguntou o porquê de não terem conversado outras vezes no decorrer de uma década, mas, atribuindo tamanho desgosto às escolhas do filho, lembrou-se de que os Amigos não brincavam em serviço e, quanto mais herdeiros para as riquezas de Lavezzo, mais mortes aconteceriam num acerto de contas. Tal distância os protegia de qualquer que fosse o destino do filho.

— Desde o dia em que você morreu não sei o que é isso. Dói-me dizer, mas o Vicente morreu quando roubou o meu carro e fugiu pelo mundo. Naquele dia de merda o perdi, mas não sabia que dali nasceria outro. Você até se saiu melhor do que a encomenda, e não falo para zombar. Pensei que te perderia por essas bocas de fumo da vida, mas não, você se tornou influente e, graças a isso, salvou a vida do seu irmão e de várias outras pessoas — Allò asseverou.

Salvador estava vermelho e seus olhos marejados. Nesse último minuto havia chorado mais do que nos últimos vinte anos.

— Falando assim dá a impressão de que não lutei a vida inteira por nada. Mas, depois de tanto esforço, de ter abandonado as pessoas que mais amo, acho que não adiantou de muita coisa. Acabarei matando meus amigos e morrendo sem a dignidade do meu próprio nome — disse com a voz embargada.

— Não se puna tanto, filho. Eu fui como você é agora. A vida é assim mesmo. Veja o meu exemplo. Trabalhei duro para ser visto como um peso. Fui humilhado no pau de arara, na cadeira do dragão, vi amigos morrerem e pessoas que amei sumirem do mapa. Agora sou apenas mais um velho que sacrificou a infância dos filhos e perdeu dois deles. Pelo menos posso me orgulhar de você ter ajudado muita gente e, quem sabe, não seja apenas uma questão de ótica? Da mesma forma que falhei em minha missão, posso dizer que meus filhos ajudaram, independente dos interesses, milhares de pessoas e realizaram alguns dos meus sonhos.

— Obrigado, pai, mas não precisa encher a minha bola, já tem muito político que vive disso — disse as palavras com atenção e sorriu. — Se lembra daquela conversa que tivemos quando o senhor achou os bagulhos no meu armário? — Salvador perguntou, enquanto limpava as lágrimas.

— Filho, quantas coisas eu guardei pra mim. Até hoje choro, mas não me arrependo. Só falei o que pensava. Não pretendo mudar uma vírgula. Você ainda está aquém de ser um homem, mas o seu problema não é o dinheiro, pelo menos isso. Desde novo, o que te interessava era o poder para fazer as coisas que bem entendia. E quem não quer isso? Como disse antes, dentre tantos magnatas, você ainda fez algo pelos outros —comentou com sua voz cansada, no mesmo tom. — Consigo me orgulhar.

— Obrigado, meu velho, te amo — fechando os olhos por um momento, Salvador ignorou os apelos de Quintella.

Esperou dois segundos e a resposta não veio da maneira esperada.

— À sua maneira. Se soubesse quantas pessoas chorariam por você, acredito que nunca teria me ligado, mas espero que amanhã você esteja por aqui — Pietro respondeu de maneira emocionada, tentando ser forte, segurando o choro. — Cuide bem do seu irmão.

— Ele já é grandinho. Sabe se cuidar — quase travando a voz, Salvador disse o que considerava uma mentira. — A gente se esbarra, pai.

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Bella Mafia - Dinheiro se lava com SangueWhere stories live. Discover now