Uma contagem rápida revelava mais de duzentas criaturas subindo a montanha. Talvez fossem inimigos demais até mesmo para Gavril, mas o guerreiro sorria. "o dever é maior do que o homem que o carrega" dizia para si mesmo cheio de confiança.

Ele gritou do fundo de sua alma e saltou em direção aos inimigos, impulsionado por sua habilidade de voo. Não se preocupou com o pouso, desceu descarregando sua fúria contra os adversários, rompendo qualquer formação que apresentassem e deixando que sua espada cortasse seguidas vezes e atingindo dezenas das criaturas em poucos instantes.

Girava sua lâmina para todos os lados, mutilando os Nyax que estavam mais próximos. Era fácil acertar a multidão que o cercava. Quando percebia que alguns desvencilhavam-se da batalha, saltava alguns metros adiante e, com golpes rápidos e letais, impedia que prosseguissem. O chão era pintado de vermelho pelo sangue dos inimigos e do próprio espadachim que via passando por seus olhos partes dos adversários arrancadas com a potência dos golpes. As criaturas guinchavam e se retorciam, mas não paravam os ataques. Com seus dentes e garras, feriam cada centímetro que conseguissem alcançar para retaliar.

Após poucos minutos de batalha, havia uma pilha de inimigos mortos. Gavril apresentava cortes nas pernas, braços, peito, costas e um corte profundo no seu rosto e que atingia ao olho esquerdo. O espadachim arfava olhando ao redor e esperando que mais das criaturas avançassem sobre ele. Os músculos de seus braços tremiam mediante o esforço, mas ele ainda não poderia parar.

Respirou fundo e gritou mais uma vez, agarrando um dos Nyax pelas orelhas e atirando contra um grupo que estava próximo. Saltou por sobre os monstros derrubados e desferiu dez golpes em poucos segundos. Sua espada era leve, mais leve do que qualquer outra, e seus braços fortes e treinados. A vantagem numérica das criaturas parecia não significar nada e Gavril seguia derrubando tantos adversários quanto pudesse alcançar com a ponta de sua lâmina. A quantidade de mortos crescia a cada sequência de golpes rápidos desferidos pelo espadachim, que atingia com violência cada um dos inimigos. Com suas corridas e rolamentos, o guerreiro deslocava-se pelo campo de batalha e mantinha a luta afastada do templo.

Por mais que os Nyax desejassem chegar ao templo, não conseguiam vencer a habilidade e determinação de um único homem. Com uma hora de batalha, restavam menos de trinta oponentes de pé.

O guerreiro esforçava-se por ignorar toda a dor que sentia, mas era difícil manter-se de pé. Seu corpo estava coberto de ferimentos diversos, não conseguia enxergar com o olho esquerdo nem ouvir com o ouvido do mesmo lado. Sua cabeça latejava, após ter sido atingido em cheio por um dos oponentes que usava uma clava improvisada. A mancha em seu peito ardia como nunca. Por um instante a espada quase escapou de suas mãos, mas Gavril a manteve firme com um giro rápido.

– Acho engraçado como vocês nunca se rendem, nunca fogem. – disse o espadachim em meio à arfadas. – Ficam aí, apanhando e morrendo. Vocês não vão passar! Estão ouvindo? Ninguém!

As criaturas tagarelavam em sua própria língua. Rodeavam o guerreiro. Haviam desistido de chegar ao templo, tudo que almejavam agora era a morte daquele inimigo. Aproveitando-se do ponto cego do espadachim, três Nyax agarravam e morderam seu braço com toda a força que possuíam, obrigando Gavril a largar sua preciosa lâmina como que por reflexo. O braço estava tão ferido que foi incapaz de manter a força da mão.

O momento em que a espada atingiu o chão passou pela mente do espadachim em câmera lenta. As criaturas, cientes da oportunidade, investiram em carga, cravando dentes e garras por todo corpo do guerreiro e aumentando o número de ferimentos em seu corpo. A vida, breve e repleta de lutas de Gavril passava diante de sua mente. Sentia o torpor invadindo seus sentidos novamente e suas forças já esgotadas chocavam-se com sua determinação também no limite. Antes de embarcar no último e derradeiro sono, sua mente faiscou com uma fagulha de esperança. O bracelete da academia, prêmio dado aos discípulos de Benvahn e que concluíam aos treinamentos, era uma reserva de energia mágica. Não era hora de morrer ainda.

Gavril esforçou-se para firmar a postura e buscar para si o pouco de força que havia no bracelete mágico presenteado por seus mestres e então a magia inundou seu corpo mais uma vez.

A temperatura do local subiu mais de vinte graus em segundos, pois o corpo de Gavril aquecia tudo em um raio de dezenas de metros. Os Nyax que julgavam o inimigo vencido não poderiam estar mais surpresos ao serem atingidos pelo sopro de fogo que os varreu da região. 

Restavam agora menos de dez dos monstros e as forças do espadachim já haviam atingido o último dos limites.

Ele caminhou até sua espada e não conseguiu conter um sorriso debochado ao perceber o pânico das criaturas sobreviventes em meio as chamas. Elas certamente não esperavam por aquilo. Não contavam que as habilidades naturais aleatórias, presentes em todos os humanos, fossem tão destrutivas no corpo de Gavril. Contrariando todos os ensinamentos de honra aprendidos através da doutrina de Langear, o espadachim regozijou-se com a cena.

Com dificuldade ele atacou os últimos dos Nyax, que até tentaram fugir, quase fazendo com que o espadachim tropeçasse de tão fraco que estava ao caçá-los. Gavril se jogou contra os últimos dois monstros, enterrando a espada no peito de um deles e quebrando o pescoço do último com um estalo e sem fazer muita força nos braços. Despencando no chão em seguida.

Deitado em sua própria poça de sangue, Gavril respirava com dificuldade e sentia que muitas coisas dentro de seu corpo não iam bem. Pela dor que se mover causava, ele julgava ter alguns ossos partidos, talvez tivesse arrebentado alguns órgãos também. O sol batia diretamente em seu rosto. E ali ele ficou, deitado e arquejante, sentindo a brisa matinal que soprava sobre o monte decorado por uma pilha de centenas de Nyax destroçados.

Espada e Dever  - Um livro no Mundo de ThystiumWhere stories live. Discover now