XVI

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Udur correu até o grupo de quatro anões que repelia qualquer aproximação dos Nyax e avançava em direção ao Feiticeiro Azulado. Mantinham uma formação que treinavam no exército e sofriam poucos arranhões enquanto chacinavam os homens-rato.

Mas o real perigo ali era o feiticeiro. Reunindo ventos mágicos avermelhados de tonalidade rubra e impregnando-os com sua aura poderosa, o obeso adversário disparou uma imensa bola de fogo contra a formação dos anões. Dois foram incinerados e morreram instantaneamente, um deles foi ágil o bastante para se desviar rolando para o lado. Kinnish foi acertado em cheio e acabou arremessado contra sua montaria morta, que amorteceu o impacto. Sua armadura de ouro branco era dotada dos mais variados recursos mágicos. Cortar o fogo era apenas um deles.

– Ele bate com força, não é? – perguntou Udur com algum bom humor, checando se o seu companheiro estava bem. – Como você está?

– Fervendo. – respondeu Kinnish com um rosnado. – E quanto aos humanos?

– Partiram. – disse o clérigo. – O grandalhão ali deseja a espada, mas gosta de sangue. Vamos dar o que ele deseja?

– Sangue? Vou dar a ele exatamente isso. Mas vou dar tanto sangue, que ele vai se engasgar. – disse o guerreiro. – Pegue a espada. Pode deixar ele comigo. Por Bazal, nosso profeta, eu não vou tombar aqui e eles não vão colocar as mãos imundas na espada.

Kinnish levantou e correu com suas pernas curtas, ocasionalmente desviando de corpos de aliados e inimigos, aumentando a velocidade de suas passadas ao se aproximar do inimigo. Saltou, e no ar arremessou seu machado no peito do adversário, que nem ao menos acusou o golpe.

Com um comando vocal na língua dos anões, o machado retornou às mãos do guerreiro de armadura dourada, que posicionou-se no chão para um segundo ataque. Lançou seu machado de batalha mais duas vezes contra o adversário, acertando o braço e o peito da criatura azulada.

Para espanto do guerreiro anão, o Feiticeiro não se movia, nem ao menos sangrava. Analisando a situação ao redor, viu quando Udur e o outro anão que ainda lutava derrotaram os últimos Nyax que haviam descido dos céus. O rápido instante que desviou seu olhar foi o bastante para receber uma rajada de vento cortante disparada pelo imenso feiticeiro.

A magia foi capaz de feri-lo mesmo trajando a armadura de ouro branco e o guerreiro apresentava sangramentos em várias partes do corpo. Foi amparado para se levantar por seus dois companheiros. A espada ainda gritava nas mãos do anão que era controlado por ela.

– Senhor, a espada está tentando nos dominar. Drenando nossas forças, tirando nossa concentração. – disse o guerreiro anão que era chamado de Adil e que lutava com um machado duplo de batalha. – Se chegarmos perto dela, o feiticeiro irá nos repelir com os ventos mágicos.

O guerreiro de armadura dourada esfregou as costas da mão sobre sua própria testa, limpando o excesso de sangue que poderia atrapalhar sua visão. Bufava, furioso por não conseguir acertar o inimigo.

– Kinnish, você sabe o que precisa fazer! – bradou Udur com autoridade.

– Ao meu comando, vocês pegam a espada. – disse ele resoluto. – Udur, pelo nosso profeta, espero que você saiba exatamente o que está mandando eu fazer.

Kinnish começou a corrida em direção ao feiticeiro e trocou o machado para a mão esquerda. Pediu perdão aos deuses, pediu forças ao profeta Bazal para que guiasse sua mão, rogou que as Estrelas recebessem o presente e lançou seu machado contra o anão que empunhava a espada amaldiçoada.

– Agora! – bradou no idioma dos anões.

Udur correu para apoiar o companheiro caído, Adil apressou-se em recolher a espada e devolvê-la a bainha. Toda a cena transcorreu em poucos segundos e os gritos da lâmina cessaram de imediato.

Kinnish continuou sua corrida e investiu contra o inimigo de pele azul com seu ombro, desestabilizando a postura do oponente. Cerrou o punho direito e saltou, desferindo um gancho no queixo do Feiticeiro, para em seguida acertar uma joelhada no estômago e uma cotovelada na coxa. O anão lutava tão bem com as mãos nuas quanto com machado, quiçá até melhor.

O feiticeiro sentiu a potência dos ataques e notou, sem nenhuma surpresa o sangue que escorria de sua bocarra. Algo interno havia sido ferido, o anão sabia como machucar.

Kinnish comandou que seu machado retornasse às suas mãos e endireitou a postura para mais ataques, porém o feiticeiro foi mais rápido. Com um gesto simples como estalar dos dedos, o monstro azulado envolveu Kinnish em ventos de um vermelho vivo, rubro, flamejante. A pele do anão queimava e ferimentos estouravam por todo o corpo. Manter a armadura tornaria a dor insuportável.

Adil, notando que seu mestre se encontrava em problemas para retirar a armadura e, por isso um alvo fácil, avançou contra o Feiticeiro, cravando o seu machado de duas pontas nas costas do inimigo.

Como reação o monstro azulado girou o corpo em grande velocidade, perfazendo cento e oitenta graus e com o braço envolto em ventos avermelhados metalizados decapitou Adil com um movimento preciso e brutal.

- Clérigo, não pense em fugir com a espada. – disse o Feiticeiro e sua voz era fria e arrepiante. – Quando acabar com esses dois, cuidarei de você.

Enraivecido e surpreso com a arrogância do adversário, Kinnish avançou com seu machado em riste e atacou o feiticeiro repetidas vezes, acertando todos os golpes em partes vitais. O ataque mais preciso foi direcionado contra a têmpora do inimigo. Gritava a cada ferimento que infligia, evocava o nome dos companheiros caídos, amaldiçoava o Feiticeiro, urrava de maneira gutural com o desespero de quem luta pela própria vida.

Mesmo com danos por todo o corpo, o estoque de energias mágicas da criatura azulada parecia não haver fim. Ainda com o braço envolvido por ventos vermelho-metálico, utilizou-se da mesma magia para atacar Kinnish. Com a mão no formato de faca, buscou atacar o pescoço do líder anão, mas devido à agilidade do mesmo, acabou por atingir o braço esquerdo. Era uma magia terrível e em meio à grande sangramento e um grito abafado de dor, o anão perdeu seu braço. Logo em seguida, o Feiticeiro tombou, derrotado por sua própria magia e coberto de sangue.

Os anões pagaram um preço alto pela batalha, mas conseguiram deter o Feiticeiro ali, nas planícies aos pés das montanhas de sal. Udur rogou aos deuses e ao profeta Bazal que cuidasse dos ferimentos de Kinnish e com uma luz esverdeada suas preces salvaram a vida de do guerreiro, cessando o sangramento.

Sem cerimônias, os dois despediram-se ali mesmo no local da batalha.. O clérigo iria servir ao Povo das Estrelas levando a espada, não havia motivo para questionamentos. Era assim que eles agiam, cumprindo suas obrigações, servindo aos deuses. Um ditado comum em Gamilsin é: "quando se trata das estrelas, o certo é aceitar sem questionar. "

O clérigo iniciou sua viagem para o sul, em direção ao templo para onde enviara os dois humanos, Kinnish iria retornar as Montanhas Gêmeas, chamadas pelos anões de Gamilsin. Precisaria reportar o fracasso da missão e o poder dos inimigos encontrados. O guerreiro de armadura dourada não tinha autoridade para dar ordens à Udur. Ninguém na hierarquia de Gamilsin tinha autoridade para tal. E assim ambos seguiram em caminhos distintos, com Kinnish rogando para que seu companheiro e líder estivesse certo sobre entregar à espada aos humanos.

Espada e Dever  - Um livro no Mundo de ThystiumOnde as histórias ganham vida. Descobre agora