VIII

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A Floresta Vermelha era opressiva e abafada. Os risinhos de criaturas que se camuflavam com o ambiente e a sensação de olhos observando a todo instante em nada ajudavam. O local sabia como incomodar a cada um dos cinco sentidos. E a cor das folhas era ideal para camuflar uma série de inimigos acostumados ao ambiente. Olhos desatentos demorariam a perceber a aproximação de criaturas, como as maçãs dentadas, e geralmente era tarde demais.

– O que exatamente viemos fazer na terra dos elfos? – Gavril afastava galhos que teimavam em atingi-lo.

– Buscar confirmação. – respondeu Flayfh, que seguia alguns passos à frente. Ditando o ritmo e mostrando o caminho na perigosa floresta. – Anos atrás, utilizamos uma das armas das criaturas para derrotá-los. Uma espada amaldiçoada, criada no mundo de onde esses tais Nyax vieram. Depois de vencida a batalha, entregamos a arma nas mãos da Xamã do clã Hehim para que a lacrasse.

– Entendo. – disse Gavril com um suspiro – Caso tenham retornado mesmo, essa arma poderá ser útil mais uma vez, pelo menos para encontrá-los.

Flayfh deu uma piscadela e deteve sua caminhada. Estavam cercados por elfos patrulheiros armados com arcos e flechas. Os pontiagudos guerreiros de pele negra, observavam os dois humanos com atenção e conversavam entre si com sussurros cantados, quase imperceptíveis.

Após a clériga ser reconhecida, os dois foram em seguida escoltados até a presença da Xamã que liderava o clã daquela região pela líder da patrulha de elfos, uma guerreira de não mais que um metro e setenta, com olhos felinos castanho-claro e cabelos trançados até a cintura. Ela trazia uma espada de lâmina dupla presa às costas e vestia roupas leves, apropriadas à função de batedora.

Momentos depois, avançando poucos metros na mata avermelhada, já era possível avistar trechos de arquitetura élfica do clã Hehim. Casas perfeitamente integradas com as árvores, com detalhes mínimos esculpidos com o talento que apenas a paciência e destreza de um elfo seriam capazes. A maior parte das esculturas eram odes aos feitos élficos em batalha. Gavril conhecia pouco da vida de tais seres, mas sabia bem como eram orgulhosos de seus prodigiosos feitos em séculos de história, coisa que faltava aos humanos. A história humana começava poucos séculos atrás, com a partida dos Dragões Urototh, quando os humanos finalmente se viram livres da pesada escravidão das feras.

O espadachim observava com atenção o local e percebia que os elfos avaliavam cada um dos seus passos. Tratavam a clériga com algum respeito e era óbvio que já a conheciam de outrora. Em momento algum pediram que entregassem suas armas. Talvez fosse algo a ver com confiança. Ou confiavam demais nos visitantes ou em suas habilidades de se defenderem.

Levados diretamente à presença da Xamã, foram deixados à sós com a figura imponente e intimidadora. A elfa de pele morena, olhos verdes e tatuagens espalhadas por todo o corpo, trazia em si uma autoridade capaz de dobrar a vontade mais obstinada. Jóias simples de prata e esmeralda adornavam o corpo esculpido com perfeição pelas mãos da natureza, ou dos próprios deuses, não havia como duvidar disso ao olhar diretamente para a líder do clã. O clã Hehim era o mais aguerrido entre os clãs élficos, por isso até mesmo sua Xamã tinha postura de guerreira. Nunca dava as costas, estava sempre pronta para entrar em batalha e uma espada élfica de batalha localizava-se ao alcance de apenas um salto.

O pequeno salão esculpido no tronco de uma das maiores árvores do local tinha aroma de frutas cítricas, que Flayfh sabia serem as favoritas dos elfos. Nenhum guerreiro guardava os aposentos da Xamã e o local era perfeitamente silencioso, nenhum ruído do lado de fora parecia adentrar e era possível aos dois humanos ouvirem as respirações um do outro.  

Que grande perigo nós corremos. – Disse ela em tom grave, sem abrir mão da linguagem élfica. – Mais uma vez, a espada que nos trouxe grande pesar, desperta.

Minha senhora, onde encontra-se Erundir? – perguntou Flayfh com seu élfico cristalino e sem sotaque algum, nem rodeios. Buscava por seu antigo companheiro de batalhas, por mais que estivessem separados por anos, a clériga sabia que podia contar com as grandes habilidades de batalha do guerreiro elfo.

Gavril não conseguia deixar de pensar que deveria ter aproveitado melhor as aulas sobre o idioma élfico na academia. Conhecia poucas palavras, nada mais que o básico. O suficiente para entender parte da conversa, não o bastante para tomar parte.

Partiu faz alguns meses, temo que ele não possa acompanhá-la desta vez. – respondeu a xamã. – Está realizando rituais de passagem junto aos elfos do oeste. É realmente uma pena que ele não esteja aqui agora.

Os deuses olharão por nós. Conte sobre a espada, minha senhora.

Ela despertou faz alguns meses. – começou a xamã, vasculhando em sua mente em busca de memórias precisas. – Os gritos aterrorizantes foram seguidos de morte. Foi custoso lacrá-la mais uma vez, mas foi feito. Diga, pretende levá-la em sua jornada?

Flayfh ponderou por alguns instantes antes de proferir sua resposta. Não planejava sair dali com a espada e sem seu antigo companheiro de batalhas que a havia ajudado a lacrá-la no passado.

Preciso consultar as estrelas. – ela respondeu taciturna.

Ainda traz consigo as habilidades proféticas que desenvolveu com meus irmãos do oeste? – Se a Xamã percebeu o tom entristecido de Flayfh, optou por não comentar. – Lembro que as utilizava com muita perícia para desvendar os caminhos dos deuses e tomar decisões acertadas. Erundir elogiava sua capacidade de liderar o grupo, claramente devido às suas visões.

Sim, minha senhora. Mas preciso conectar-me com as estrelas para tal.

A clériga caminhou até Gavril e com duas tapinhas no ombro acenou para que ele aguardasse fora da caverna onde vivia a Xamã. Um vislumbre do lado de fora mostrava que a noite não demoraria a chegar. Talvez tivessem que pernoitar entre os elfos e o espadachim estava particularmente curioso para conhecê-los melhor.

Um final de tarde agradável, onde ventos sacudiam gentilmente as folhas avermelhadas das copas das árvores e as primeiras Estrelas despontavam nos céus.

– Vou meditar junto a Xamã por um momento. – disse ela. – Sugiro que me aguarde com os elfos, coma alguma coisa, descanse. Teremos muito que fazer ao sair daqui.

– Você é boa em dar ordens, não é? – respondeu ele em tom jocoso para a surpresa da clériga que ainda não tinha visto essa faceta de seu atual companheiro de batalha. – Pode deixar. Faça suas coisas dos deuses, vou aguardar lá fora.

Cercado de elfos, pensava Gavril consigo mesmo, isso vai ser no mínimo curioso.

Espada e Dever  - Um livro no Mundo de ThystiumWhere stories live. Discover now