VI

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Viajando rumo ao Sudeste, tomando o caminho que beirava o mar através de praias rochosas e evitando a temida Floresta Vermelha, Gavril ajudou alguns caravaneiros, afugentou monstrengos que apavoravam vilarejos e recebeu em retorno gratidão e frutas mágicas, que o mantiveram firme e magicamente alimentado por toda a viagem. Conversou com algumas cabras e soube da morte do pastor que cuidava das criaturinhas, em seguida, foi ajudá-las a voltarem para casa. Ouviu histórias sobre um poderoso mago de minúscula estatura que havia destruído trolls e conheceu os Corgys, pequenos cães utilizadores de machados de batalha, ajudando-os a batalhar contra os homens-caranguejo-carnívoros vindos do mar.

Em algumas de suas paradas, os aldeões reconheciam o bracelete da academia Benvähn e o tratavam com a deferência que um herói merece. Colhia os bons frutos de anos de heroísmo da academia e era bem tratado por toda parte pela gente humilde que vivia nos casebres espalhados pela costa leste de Thystium.

Gavril desejava que todas as viagens fossem assim. Diversas vezes até mesmo esquecia que portava uma maldição que o corroía por dentro.

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Após semanas em trânsito, finalmente alcançara seu destino. O pacífico e bucólico vilarejo de Pomena, com suas casas construídas com a madeira branca, típica da região sudeste de Thystium, um tipo de carvalho que conforme envelhecia esbranquiçava. Os moradores eram trabalhadores e dedicados, fiéis à clériga de cabelos vermelhos que comandava o local.

Herdeira de uma longa tradição de clérigos, Flayfh era a primeira filha única em uma linhagem acostumada a ter homens destemidos e corpulentos. Não que ela também não o fosse, mas alguns clérigos possuíam certo preconceito em treinar uma mulher. Para sua sorte, seu tio não era um desses. Ele deveria ter tido o filho que seguiria a tradição de culto ao Povo das Estrelas em Pomena, mas nunca foi chegado ao sexo feminino enquanto companhia. Tinha outras preferências, porém foi forçado a deixar adormecidas quando o amor de sua vida, um arqueiro que lutou por anos ao seu lado, foi morto por um mantícora nas planícies. O clérigo então, sozinho, treinou sua sobrinha e a ensinou tudo que era preciso para se tornar uma verdadeira serva dos Dez que São Um.

Após anos de viagens, Flayfh havia acumulado experiência para dirigir seu vilarejo natal e então retornou à Pomena, fixando residência no local. Os guerreiros que cuidavam do vilarejo e suas fronteiras reconheciam sua autoridade e os aldeões respeitavam com fervor cada uma de suas decisões.

Gavril esgueirou-se pelo vilarejo, caminhando sem chamar atenção, sem nem mesmo revelar sua espada ou bracelete. Sua vida de viajante havia ensinado a tornar-se um com a multidão e de modo taciturno, o espadachim vagou por Pomena por algumas horas. Valia mais saber como aquelas pessoas se comportavam do que chegar e dizer a que veio. Experiências ruins são os melhores professores e para Gavril nunca era demais checar se não havia nenhuma emboscada planejada por ali. Mercadores locais transitavam com temperos e frutas transportados em cestas produzidas com o broto de salgueiros, que também cresciam por ali, junto à Pinheiros e outras plantas variadas.

– Você é a clériga responsável por aqui? – perguntou Gavril sem rodeios, falando diretamente com aquela que tinha mais postura de líder.

Quando a encarou de frente, teve um baque com a beleza estonteante da mulher. Da etnia Beren, indivíduos caucasianos que vivem no Leste de Thystium, Flayfh era alta, de cabelos carregados de um vermelho vivo, repleta de sardas na pele alva como nuvem e com olhos mais azuis que os ventos mágicos da mesma cor. Tinha o corpo forte e musculoso e não o porte das mulheres que Gavril estava acostumado a encontrar. Estava claro para o espadachim que ela era uma guerreira por natureza.

A resposta para pergunta foi um olhar desconfiado, daqueles que aguardam mais informações antes de responder a qualquer indagação.

– Ouvi falar sobre você. - retomou a fala o espadachim sem abalar-se com o silêncio de Flayfh. – Os bardos contam histórias sobre uma clériga humana, amiga de elfos, abençoada pelos deuses. Em vários lugares do leste chamam você de "a protegida".

Espada e Dever  - Um livro no Mundo de ThystiumOnde as histórias ganham vida. Descobre agora