sem amígdalas e sem ideias (boas); marcos e ela; o rato e a olivetti

2 0 0
                                    

— é, tomei duas aspirinas, comi alguns a-ésses. nada demais, o de sempre, o que você fez?

— tomei uma amoxilina... e um gole de vodca. sei lá.

— bacana. temos que combinar um dia desses...

— é, vamos combinar sim, temos muito que conversar. tô indo nessa.

— nos vemos de novo, marcos?

— não sei. quem sabe?

— você deveria saber.

— me desculpe, se não tenho as respostas da vida, mas quem as tem?

— não sei – ela responde, e se vai, vai para casa.

a caixa de 'aas' está vazia, ela pensa em ligar e pedir algumas amoxilinas para marcos. sua garganta está se fechando, mas ela nem tem mais as amígdalas. abre o armário. vazio. encontra fôrmas de gelo na geladeira. retira uma, coloca sobre a pia, retira dois deles, leva um à boca e segura o outro na mão. vai até o quarto, ajeita a folha na velha máquina e bate algumas vezes como teste. pega o gelo, que deixou em cima da mesa. está coberto de pó. limpa na blusa e leva à boca, se senta e começa.

deseja, lá no fundo, que pelo menos um deles consiga se tornar escritor. "marcos escreve bem demais, só precisa conhecer alguém...", ela pensa, e continua batendo na máquina.

Olivetti, verde-água, linda. presente do próprio marcos no aniversário dela de dois anos antes. eles se conhecem mais ou menos dessa época. "é, dois anos, por aí, o tempo voa, não?" ela retira o papel da máquina, passa os olhos, amassa e joga num canto. bolas de papel empilhadas, um pedaço de pizza aparece por debaixo de uma das bolinhas amassadas com raiva, e, com a pizza à boca, um Rato a espia escrevendo. ela se lembra do conselho de marcos: "escreva sem compromisso, comece com as palavras que vierem à cabeça, as outras virão junto... elas aparecem do nada, sério, como tias ou cartas de cobrança, a campainha toca e lá estão elas. deixe as portas da sua mente abertas, bem abertas..." as palavras dele ecoam na cabeça dela, nada de tias ou cartas de cobrança. ela deseja ser como ele, deseja ele, deseja ele, muito... bate na máquina, retira o papel, passa os olhos, amassa com raiva e joga na direção da pilha de bolinhas, da pizza e do rato...

BukowskianosWhere stories live. Discover now