O novo poeta quer pagar o aluguel

3 0 0
                                    

Ele, como de costume, se deitou e viu as horas passarem. Ficou de lado até a orelha esquentar e mudou para a outra. Barriga pra cima; pra baixo. Levantou-se e foi até a cozinha. "Três passos. Só consigo dar três malditos passos nesse apartamento de merda". Ele tomou um copo d'água e, três passos depois, estava novamente na cama. Dessa vez, começou com a barriga pra cima.

Apertou os olhos e tentou visualizar alguma figura no teto. Um santo, talvez. Não funcionou. "Essa maldita infiltração. Assim que acertar o aluguel dessa joça, vou cobrar providências".

Ele tinha vontade de se matar, mas logo passava. Ele tinha vontade de mudar de vida, mas logo passava. Tinha vontade de escrever. Contos. Livros. Poesia. "É isso! Poesia dá dinheiro!".

Levantou-se novamente. Dessa vez, o destino foi a escrivaninha. Pegou o velho caderno. Arrancou as duas primeiras páginas. "Esse ficou muito ruim". Colocou a ponta da caneta no papel nu e escreveu:

O PERVERTIDO E A FREIRA

"Droga. Tenho que mijar primeiro". Cinco passos e estava no banheiro. Sim, ele estava errado sobre o tamanho do apartamento.

Ele mijou.

Colocou a cabeça embaixo da torneira da pia, deixou que a água chegasse a sua nuca e bebeu um pouco também.

Na volta para o quarto, a escrivaninha e o conto, lembrou de quando escrevia apenas por 'hobby'. Tinha um bom emprego. Era cercado por pessoas medíocres. Mas conseguia pagar o aluguel de uma boa casa: aproximadamente 30 por 100 passos. Tinha esposa e filhos, que também tinham coisas. Tudo sustentado pelas pessoas medíocres que o cercavam no emprego bom.

Agora só tinha contas sem carimbo de pagamento, cartas de recusa e uma cabeça sem mais nenhuma ideia. Naquele dia, ele decidiu mudar pra poesia, voltou pro conto, quis escrever um romance e ficou com preguiça, e voltou pra ideia da poesia. O título ele já tinha:

O PERVERTIDO E A FREIRA

Ficou olhando para aquelas letras, borradas pelo seu suor. Olhou em volta para as amareladas e descascadas paredes e para o teto, escuro por conta da infiltração. "Isso não é nada comercial", concluiu. "Como eu posso esperar uma carta que não seja de recusa se só escrevo esse tipo de merda?" Não tinha ninguém para responder, é claro. Os escritores costumam falar sozinhos — muito.

Rabiscou algumas palavras, como de costume, para não dizer que fora uma noite perdida. Desceu se esgueirando pela escada e se escondendo da senhoria, comprou cigarro solto e 1/4 de litro de conhaque, que levou para o apartamento, junto com os cigarros. Tomou um trago, arrancou o pervertido e também a freira do caderno, gritou "AMÉM", acendeu um cigarro e pensou na vida, dando continuidade a seu monólogo: "O que é comercial, afinal?"

BukowskianosWhere stories live. Discover now