1 milhão de cópias

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Em fim a vida parecia fazer algum sentido, mesmo que ele, volta e meia, pensasse nisso. Saía pelas manhãs; comprava salsichas, salgadinhos, pão italiano, tomates, presunto e cervejas; bebia algumas cervejas, sentado aos pés da cama, com a cabeça encostada nos pés dela, enquanto ela dormia. Ela tinha pés macios. Na verdade, toda a pele dela era fina como se não tivesse passado por nada na vida; o que não era verdade. Ela, assim como ele, passou por muitas coisas; muitas crises existenciais; muitas ressacas. E agora estavam ali, com o presunto e o pão italiano e os tomates e as cervejas, e tudo parecia fazer algum sentido — mesmo que eles se questionassem diariamente sobre.

Depois que ela acordava, se juntava a ele nos pés da cama e entrelaçava os dedos dela aos dele. Eles tomavam algumas cervejas até mais ou menos às 14h, quando o editor dele sempre ligava. "Sim, as coisas vão muito bem. Escrevi dois capítulos esta manhã", ele dizia — e voltava a tomar cervejas. E então eles comiam pão italiano com presunto e tomate e ele se sentava para escrever os dois capítulos que já havia, em teoria, escrito mais cedo.

O primeiro livro dele já tinha vendido 50 mil cópias. Isso possibilitava que os dois ficassem comendo salsichas e tomando cervejas. Não muito mais que isso. Mas eles não precisavam de muito mais que isso. Era até muito mais do que eles imaginavam precisar.

"Posso ganhar 1 real que seja por livro, pois vou vender 1 milhão de cópias", era o que ele sempre dizia em cada nova editora que o chamava para ter uma conversa.

O que ele escrevia não era nada comercial. Era realidade. E as pessoas não precisam de realidade — elas já têm muito disso diariamente. Elas estão até o pescoço de realidade. A literatura dele fedia a realidade — mas, impressionantemente, vendia. Não como outros títulos por aí, mas o suficiente para salsichas e cervejas.

Ela comia os salgadinhos, enquanto ele escrevia os dois capítulos que prometia todos os dias. O editor sempre ligava no mesmo horário, por volta das 14h, e sempre ouvia a mesma resposta — e continuava ligando. Eles continuavam bebendo cerveja, e ele continuava escrevendo. Era difícil pensar por que as outras pessoas não se contentavam com o que era suficiente para os dois.

1 milhão de cópias. Posso adiantar para vocês que ele nunca vendeu isso. Nem chegou perto. Mas, se é possível ganhar 10, 20 mil reais com um livro que se escreve em 40 dias, por que querer vender muito mais que isso? A não ser que o preço da cerveja, dos salgadinhos, das salsichas, dos tomates, do pão italiano e do presunto aumentasse...

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