28. Destruída - I

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[NOTINHA: Pessoas, o capítulo 28 ficou com mais de 7k palavras. Por esse motivo, para não ficar uma leitura muito cansativa, eu decidi dividi-lo em duas partes. Certinho? Boa leitura pra vocês <3]


Li Ka Hua

Uma vez que eu não fora aluna do senhor Sojiru no Japão, optei por não usar o uniforme do instituto em sua cerimônia fúnebre como era costume dos estudantes no país. Assim, trajei um vestido preto simples e sem adornos com sapatos de salto médio, seguido a etiqueta japonesa de vestimenta já que eu não tinha um mofuku[1] e nem cabeça para comprar um. Meu pai trajava um terno preto com camiseta branca por dentro de acordo com a mesma etiqueta. Não chegamos, naturalmente, a tempo da "última noite do falecido em casa", onde os parentes e amigos passavam a noite com o morto em sua casa antes de seguir, no dia seguinte, para os ritos crematórios. Contudo, chegamos a tempo da vigília da noite.

Uma foto enorme de Sojiru Kaito estava envolta em várias flores. Nela, ele sorria carismático como sempre o vi independente da dimensão da dor em seu coração, aquela visão dele e seus óculos retangulares, os olhos em forma de meia lua e a expressão serena cheia de ternura me trouxeram lágrimas aos olhos. Eu havia sentido cada dor, compartilhado de cada pensamento sobre minha tia em seus últimos minutos, tudo aquilo me vinha à mente naquele instante. O silêncio era imperioso na sala, cortado apenas pela voz do monge budista que recitava os sutras com sua voz de barítono. Uma mulher de idade chorava copiosamente na primeira fila do lado direito e imaginei que era a mãe do professor.

O velório estava sendo feito no templo budista de Shitennō-ji, pelo número de pessoas no salão eu imaginava que era fechado apenas para os mais próximos e me perguntei como meu pai havia conseguido lugares para nós. Em uma armação central estava a foto do senhor Sojiru envolta em flores, havia um espaço com um almofadão diante dela onde o sacerdote estava ajoelhado entoando o cântico do sutra. Pequenas almofadas negras estavam organizadas em filas no piso de madeira de modo a contornar o salão deixando a parte da entrada principal livre. Atrás do sacerdote ficava uma mesa com uma tigela contendo areia e cinzas onde espetávamos incenso e fazíamos uma oração. Os familiares sentavam-se nas primeiras fileiras do altar, amigos e conhecidos nas partes de trás, quando chegamos ainda estavam fazendo as reverências ao falecido, as pessoas — depois de todos os familiares — deveriam curvar-se diante da foto do morto e depois diante dos seus familiares em sinal de respeito. Foi o que fizemos.

Eu não conhecia ninguém da família do senhor Sojiru, mas me sentia parte dela, compartilhava de sua dor com a perda dele, depois de conhecer os meus tios e tomar conhecimento dos segredos sombrios da minha família percebi que o considerava mais meu parente que aqueles estranhos na China. Tomamos nossos lugares em uma das penúltimas filas e dentro de mim pedi perdão ao querido professor por ter adiantado sua partida, por não ter podido me despedir e dizer quão importante ele era para mim. Encostei a cabeça discretamente no braço do meu pai e chorei baixinho, ele me estendeu um lenço e colocou o braço ao redor dos meus ombros me puxando para perto para que pudesse chorar sem chamar muita atenção.

‡‡‡

Horas antes...

— Ka Hua, Nǐ xià dào wǒle! Fāshēngle shénme? Zěnmeliǎo?[2 Você está me assustando! Oque aconteceu? O que está errado?]

Estava travando uma batalha para respirar enquanto o choro me engolia na mistura de desespero e medo. Mesmo que quisesse responder as perguntas do meu pai era impossível, para algumas delas simplesmente não podia responder, para outras não sabia a resposta. A única certeza que tinha era ser uma questão de tempo, dias, talvez semanas, com sorte anos, mas esse último era muito improvável. Papai segurou meu rosto em suas mãos e me fez encará-lo:

Olhos Vazios ✔ [EM REVISÃO]Onde as histórias ganham vida. Descobre agora