Olhos Vazios ✔ [EM REVISÃO]

23. A Bruxa do Destino

Aidan

Não recebi nenhuma notícia de Li Ka Hua depois daquela carta. O blog não era atualizado, não havia fofocas nos tabloides, nada. Após o choque inicial eu relera a carta várias vezes tentando compreender, como um detetive, aquela verdade inacreditável. Pensei muitas vezes em conversar com o senhor Sojiru, mas declinei da ideia, com certeza ele me julgaria louco apesar de parecer que Li Ka Hua já havia lhe confiado esse segredo muito antes e só então eu percebia isso. "Ela está tentando protege-lo." "Essa garota precisa desesperadamente de alguém." "Ela carrega um fardo difícil." Claro, todos esses conselhos só faziam sentido agora, ele sabia a verdade, eu tinha certeza.

Na câmera de segurança que gravou Janet e as amigas intimidando Li Ka Hua, Savannah olhava fixamente para ela quando segurou bruscamente seu rosto. No corredor, Janet olhou nos olhos de Li Ka Hua quando as duas se confrontaram após a aplicação da punição. Não sabia quando ela havia olhado nos olhos de Alissa, mas o modo como ela correu rapidamente quando o tumulto começou fazia sentido agora. Todas essas pessoas morreram ou sofreram atentados. Meneei a cabeça e ri insanamente, era loucura... como se eu estivesse formando uma teoria da conspiração ou coisa assim. Não havia possibilidade de um humano prever a morte de alguém, esse tipo de coisa não existia.

"E se você está se perguntando se eu vi sua morte sinto muito não poder responder sim ou não." Um frio gélido subiu pela minha espinha. No meu primeiro dia na sala 1-1 ela agiu como se eu fosse um fantasma, fechei os olhos e tentei me lembrar das palavras que ela dissera ao professor, balbuciadas em uma língua que eu não identificava... normalmente me gabava da minha boa memória, mas naquele momento estava difícil. Ta... de...kan... si...dao... uó. Era tudo de que conseguia me lembrar, forçando a mente um pouco mais na luta por ordenar as palavras estranhas e ouvi-las com mais nitidez tudo que consegui salvar da voz trêmula de Li Ka Hua foi wǒ kàn dào tā de sǐ. Ainda assim, sabia que encontrar o sentido daquela frase com base na minha compreensão auditiva seria um desafio.

Comecei por "uó" que era como eu ouvia. Digitando em Chinês várias vezes no tradutor online não conseguia nenhum resultado, tentei trocar o /u/ por /w/ e apareceram de uma vez cinco símbolos. Por que tinha que ser tão difícil? O primeiro que tentei era acentuado com crase wò, a tradução foi mentira. Provavelmente não era o que eu procurava. O segundo tinha uma espécie de traço sobre o /o/, wō, a tradução foi ninho. Com certeza não era esse. Por fim, no terceiro que tentei saiu uma tradução mais próxima do que eu pensava, eu, esse tinha uma espécie de acento como anteninhas wǒ. Era hora da segunda palavra. Aquilo ia demorar...

Quase uma hora depois de intermináveis tentativas eu tinha uma pequena lista com 6 palavras: eu, olhar, para, ele, de e morte, esse último porque quatro, pensar, arame e Sri Lanka — que foram os quatro que eu havia escolhido antes — não pareciam fazer sentido. Olhando aquelas seis palavras não precisava de muita inteligência para entender o que significava. Li Ka Hua sabia como eu ia morrer, por isso me contara a verdade, por isso estava fugindo de mim.

Naquele momento, enquanto eu fitava aquelas seis palavras com um suor gelado descendo pelo meu rosto, compreendia porque nos era dado a ignorância em relação ao dia do fim da nossa vida. Nada de bom acontecia quando você sabia que estava perto de morrer. Meu coração agitou-se, minha cabeça parecia pesar e mil pensamentos mórbidos explodiam, no dia anterior eu havia enterrado a mãe de Janet, tudo aquilo misturado ao meu pânico só faziam com que minha capacidade de raciocínio diminuísse ainda mais. Por um momento parecia que o ar estava faltando, minha visão ficou turva, abri a porta da sacada e uma onda de vento cortante me envolveu, chovia violentamente, mas eu precisava respirar, não importava que estava ficando todo molhado no processo. Lágrimas escorreram quentes pelo meu rosto e senti o que a maioria das pessoas sente ante a possibilidade da morte: medo.