4. O Garoto Insistente

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Li Ka Hua

Encolhi-me na cama abraçando as pernas enquanto olhava a parede pelo que parecia um tempo demasiado longo. Minha mãe voltou ao quarto pela quinta vez na tentativa de me fazer comer alguma coisa, mas antes que ela se pronunciasse com mais uma bandeja cheia de comida eu neguei com a cabeça dispensando-a silenciosamente. Minha mente estava no rosto transtornado daquela garota, eu estava dentro do seu corpo, compartilhávamos a mesma alma por um breve momento, o momento em que ela acabaria com a própria vida por sentir que não era boa o bastante, que não conseguia seguir em frente. Encolhi-me mais apoiando o queixo sobre os joelhos e fechando os olhos, na tentativa inútil de afastar aquelas imagens e a frustração de não saber quando aconteceria, de poder, pelo menos, tentar impedir.

— Tudo bem? — Meu pai entrou no quarto com um meio sorriso. — Ainda tonta?

wǒ hěn hǎo, bàba¹ [¹Eu estou bem, pai]. — Menti, mesmo sabendo que ele não acreditaria. — Só quero ficar um pouco quieta.

— Nós vamos, definitivamente, encontrar uma maneira, Ka Hua. — Prometeu.

— Eu queria muito acreditar nisso, pai. De verdade. — Suspirei tentando reprimir as lágrimas. — Fico me perguntando desde a hora que acordo de quem é a morte que vai vir a seguir e como vou conseguir suportá-la. Eu não me lembro de ter olhado nos olhos dessa garota nem quando... eu nunca olho ninguém nos olhos! Então, como? Como eu fui capaz de ver isso?

qīn'ài de... não se martirize dessa forma... — Pediu abraçando-me e beijando minha cabeça. — Vamos descobrir o que está acontecendo e vamos conseguir parar isso, eu prometo. Tenha em mente, Ka Hua, que a morte é a única coisa da qual podemos ter total certeza, a única coisa que ninguém pode evitar, filha... seja ela natural ou pelas mãos de alguém, o destino não poupa.

— E o meu destino é assistir. Impotente. — Uma lágrima caiu pelo meu rosto sem que eu pudesse evitar. — Não parece muito justo. Muitas vezes, eu vejo vidas sendo tiradas brutalmente por razões idiotas, pai, pessoas que tinham tudo pela frente são ceifadas pela simples raiva de alguém e eu não posso sequer denunciar o assassino porque ninguém acreditaria em mim.

Zhè bù shì wǒ men zuò de² [²Isso não é o que nósfazemos] . — Replicou ele, sério. — Desde o início concordamos em manter você a salvo, é o que vamos fazer. Seu trabalho é estudar e se manter segura, Ka Hua, não ir atrás de assassinos. Deixe o destino andar ao seu próprio modo, a roda do destino é para todos e não devemos interferir no seu curso. Você entende isso, filha?

Shì... Wǒ míng bái le³ [Sim, eu entendo.]. — Funguei. — Só estou com medo, bàba...

— Eu sei, xiao Li... eu sei...

Deixei que ele me abraçasse e agarrei-me a ele apertado escondendo o rosto em seu peito e me permitindo chorar. Um dos maiores medos da minha vida era um dia ver a morte do meu pai, tinha certeza que era disso que o sacerdote falava no templo do Japão, "ela encontrará a morte de alguém que destruirá seu coração e essa será a sua ruína", eu tinha certeza que era a dele, nunca conseguiria lidar com aquilo, no dia que meus olhos vazios vissem a morte do meu pai, nesse dia eu também deixaria de existir.

Quando meu pai me deixou na frente da escola novamente, dois dias depois, fiquei momentaneamente preocupada, apesar de ele ter repetido que ficaria tudo bem pelo menos vinte e cinco vezes por minuto eu não conseguia estar tão certa. A diretora me esperava no portão principal, eu havia faltado nos dias anteriores e ela me enviara os trabalhos e exercícios para cumprir por email, uma vez que o representante da minha turma — Aidan Berkshire — não sabia meu endereço.

Olhos Vazios ✔ [EM REVISÃO]Onde as histórias ganham vida. Descobre agora