7. Tentando Me Aproximar

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Aidan

— As coisas estão complicadas. — O professor Sojiru disse largando sobre a mesa o jornal que acabara de ler. — O pai dela deve ter interferido e, pelo menos, não saiu nada nos jornais, mas os comentários pelos corredores chegam a ser quase chocantes.

— Eu sei. — Balancei a cabeça. — Estou tentando descobrir quem está por trás disso. Na maioria dos casos, os alunos tem mais medo dela que qualquer outra coisa.

— Imaginei que isso ia acontecer. Pobre criança, deve estar sendo um fardo difícil para carregar. — Suspirou. — Houve algum indício de intimidação por parte de algum grupo?

— Não que eu tenha visto ou ouvido. Ainda assim, estou tentando me manter informado.

— Não vai demorar a acontecer. — Sentenciou ele. — Precisa ser cuidadoso, Aidan, ou as coisas vão se complicar pra você também. Essa garota passou por maus bocados na Ásia, não queremos que a avó dela fique furiosa por fazê-la ter problemas debaixo do teto que ela mesma construiu. Isso será ruim pra todo mundo.

— Vou ter cuidado, senhor Sojiru. — Garanti.

Fazia dois dias desde o funeral de Alissa, a imprensa caíra sobre Li Ka Hua como abutres em uma carcaça e ninguém esperava que aquilo fosse acontecer, o fato só serviu para aumentar a fúria dos pais de Alissa e os rumores maldosos antes contidos. Agora, Li Ka Hua era conhecida como "filha da morte", "papa defunto", "estrela dos funerais", "dama de preto", "bruxa asiática" e outras tantas crueldades que dançavam na língua dos "educados" alunos do Haimei. A nossa sala de aula foi reorganizada e a cadeira dela ficou isolada nos fundos porque ninguém queria sentar perto dela, o professor Sojiru alojou-a próximo à janela e ao alcance da estante logo atrás na parede, ela parecia não se importar com o tratamento dos outros alunos, mantinha sempre uma expressão impassível no rosto, passava as aulas escrevendo no caderno, atenta a cada palavra dita pelo professor — pelo menos aparentemente — lendo algum livro ou ficando na biblioteca por horas a fio até seu pai vir busca-la no final da tarde.

A morte de Alissa ainda percorria as paredes do Haimei como uma névoa tenebrosa, enquanto uns lamentavam o suicídio dela, outros inventavam histórias de que seu fantasma ainda caminhava pelas dependências da escola e que fora Li Ka Hua que o invocara do mundo dos mortos. Eu me enturmara em basicamente todos os grupinhos das séries médias para tentar descobrir quem estava inventando aquelas histórias, mas o autor parecia ser meticuloso o bastante. O fórum do instituto estava infestado de comentários maldosos sobre Li Ka Hua, abriram uma discussão para escrever "contos de terror" a respeito dela, mas todos os alunos envolvidos — com raras exceções — usavam contas falsas e alteravam os IPs para que não fossem rastreados. Os que eram identificados rapidamente eram adequadamente punidos pela senhorita Thames.

Pensei que se eu quisesse mesmo ajudar Li Ka Hua precisava de uma técnica diferente de apenas olhá-la de longe e fingir que compactuava com a opinião geral a seu respeito. Isso não ajudaria em nada, tinha que intercepta-la, mesmo sabendo que o ato arriscaria boa parte do objetivo de protegê-la e, certamente, me colocaria em maus lençóis com Janet.

— Você deveria ir almoçar. — Sugeriu o senhor Sojiru me arrancando das minhas ponderações.

— Horário livre... — sussurrei para mim mesmo. — Preciso ir.

— Me avise se precisar de ajuda!

Gritou ele quando fechei a porta, não tinha tempo de esperar. Segui apressadamente pelo corredor, alcancei o hall e subi as escadas correndo, fui até o último andar e peguei as escadas do terraço, sabia que Li Ka Hua estaria lá em cima a despeito do frio. Se queria uma oportunidade para falar com ela aquela era a chance. Mas no momento que toquei o trinco da porta de ferro, hesitei. Eu conhecia o bastante dela para saber que o primeiro contato não seria fácil por mais que eu tentasse ser o mais natural possível, principalmente depois de saber que ela descobrira sobre o pedido do senhor Sojiru. Abri a porta com cautela e a fitei, ela estava sentada no chão com uma espécie de marmita de metal ovalada no colo, ouvia música e parecia estranhamente quieta. Me perguntei se ela sabia o que andavam dizendo dela pelos corredores e a possibilidade só fez com que eu me sentisse ainda pior.

Olhos Vazios ✔ [EM REVISÃO]Onde as histórias ganham vida. Descobre agora