8. Chénmò

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Li Ka Hua


Silêncio. Em chinês nós dizemos chénmò, em japonês chinmoku. Ambos os idiomas usam os mesmos ideogramas, em coreano, eles falam chimmug* e apesar de se escrever diferente a pronúncia soa bem parecida, tanto como em inglês soa parecido com o modo que se diz em espanhol e em português, o que eu acho significar que o silêncio é algo igual independente de onde você esteja, mesmo que seu cerne seja de algum modo diferente. Meu pai não fez perguntas, não reclamou, apenas me tirou da escola o mais rápido possível e parou o carro na entrada da ponte Niágara quando viu que não havia mais risco de fotógrafos. Nesse momento ele simplesmente desprendeu o cinto de segurança e me abraçou apertado beijando minha cabeça demoradamente e sussurrando que estava tudo bem. Eu pensei que choraria copiosamente, mas não o fiz, não havia mais lágrimas a serem derramadas, não adiantaria mais.

O tempo todo eu me lembrava de Aidan Berkshire. Não fazia ideia se ele havia me seguido porque o professor pedira ou por que outro motivo ele estava lá. Não sabia por que eu não conseguia afastá-lo por mais que tentasse. Nos braços do meu pai, naquele momento, senti-me segura novamente, em casa, como se fosse uma fortaleza inatingível. Ele se afastou apenas um pouco para me olhar, seus olhos abriram-se mais quando ele traçou meu queixo e tocou causando uma leve ardência.

— Está machucada. — Disse ele, a expressão preocupada. — Isso é... uma marca de unha?

A incredulidade na sua voz me causou um enjoo.

— Quem no mundo se atreveria a...

Bàba... Wǒ hěn hǎo.[1] — Intervi já imaginando os problemas que viriam após a pergunta que ele estava prestes a fazer. [Papai eu estou mesmo bem.]

Nǐ hái hǎo ma? [2]— A incredulidade deu espaço para o choque. — Zhēnzhèng? Nàme gàosu wèishéme wǒ dài nǐ chūqù? Gàosu wǒ nǐ wèishéme shānghài![3] [2. Você está bem?] [3. Então me diga por que eu a tirei de lá? Diga-me porque você está machucada!]

Desde que meu "dom" se manifestou aos dez anos, papai se tornara extremamente protetor. Ele foi atrás da minha avó por todos os métodos possíveis tentar descobrir o que havia por trás do que estava acontecendo comigo, pesquisou e pediu ajuda para todos os seus contatos ao redor do mundo em busca de alguma pista, dispensou oportunidades para ir comigo para o Japão em busca da única pista que conseguimos, tomou para si todas as minhas dores, por isso escondi dele as intimidações nas escolas, mas de algum modo ele sempre descobria. Não importava o quanto eu tentasse, mentir para o meu pai não era uma opção. Ele me conhecia melhor que a mim mesma, mesmo minha mãe sendo mulher, ela não conseguia me compreender como ele.

Por essa razão, quando ele elevou a voz naquele momento eu não me assustei ou me ressenti. Sabia que mais que qualquer pessoa no mundo meu pai me protegeria de tudo que fosse possível, que a única coisa que ele queria para si em troca disso era o meu sorriso e se eu pudesse protegê-lo daquela dor, eu o faria porque era a única coisa que eu podia fazer por ele.

Duì bù qǐ, bàba.[4] — Pedi com a voz mais suave que consegui, sabia que era a única forma de acalmá-lo. — Wǒ néng yǐhòu gàosu nǐ ma?[5] [4. Desculpe, papai.] [5. Posso te contar depois?]

Olhos Vazios ✔ [EM REVISÃO]Onde as histórias ganham vida. Descobre agora