Capítulo Extra: Palavras não ditas

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Aidan,

É possível que essas palavras nunca cheguem até você e não poderia culpar meu pai por não entregá-las. Após os últimos acontecimentos, contudo, não desejo partir carregando comigo mágoas de você, especialmente porque você é também uma vítima nessa história.

Antes de descobrir o que era capaz de fazer, eu era uma criança muito sociável, tinha amigos na escola, adorava passeios no parque e idas à praia nas festas, mas, mais do que tudo, amava as poucas visitas que fazíamos para minha avó materna na Inglaterra. Não sei se você já chegou a visitar a "terra da rainha", mas é um lugar muito bonito apesar do clima cinzento e constantemente chuvoso. Todavia, acho que a coisa mais legal para mim era a maneira como era diferente dos lugares onde eu havia vivido antes.

Não entenda mal, amo o Japão onde passei dolorosos, mas bonitos anos da minha vida e também amo meu país de origem aquém de todos os seus problemas que só vim me dar conta quando encarei-o de fora. Mas as convenções ocidentais sempre pareceram interessantes para mim, vocês têm uma visão fascinante de mundo. Bem, isso até meu primo e minha avó morrerem. Meus pais nunca mais me levaram à Inglaterra após isso, minha família materna, tal como a paterna, me via como uma aberração apesar da minha mãe não acreditar que eu realmente era capaz de prever a morte de alguém ou mesmo como.

Mesmo assim, tentei continuar firmemente a minha vida. Me convenci que a morte era algo inevitável e não podia me privar de viver por causa disso. Mas eu estava errada e só me dei conta quando Kaori, minha melhor amiga, morreu no meu lugar. Sim, Aidan, eu vi a morte horrenda dela com detalhes e sabia que, o tempo todo, era a mim que aquele grupo queria ferir e não ela. Direta ou indiretamente fui responsável pela morte dela e cheguei tarde demais para salvá-la. Naquele momento a realidade caiu sobre mim como um balde de água fria, senti sobre meus ombros a responsabilidade por cada pessoa que amei e partiu, por cada um ceifado pelos meus olhos vazios. A morte que mais temia ver, contudo, continuava como uma ameaça velada nos meus dias, uma nuvem carregada no céu de verão que nunca vai embora para lembrar do perigo à espreita.

Foi assim que me isolei do mundo. Descobri que a única maneira de manter aqueles ao meu redor seguros era não fazer parte de suas vidas. Mas acredite, Aidan, a vida solitária é difícil e dói muito. No entanto, a pessoa que mais desejava proteger era a única com quem podia contar: meu pai. E sabe como isso foi frustrante e agonizante para mim? Meu pai era o fio que me mantinha atada à vida, mas ao mesmo tempo era o motivo de cada instante ser um sofrimento insuportável. Quando você disse que não era capaz de lidar com o que eu era foi uma das coisas mais dolorosas que já ouvi, porque vi refletida nas suas palavras a pessoa me olhando no espelho todas as manhãs.

Conhecer você foi um divisor de águas na minha vida. Pela primeira vez em muito tempo, desde Kaori, pude experimentar a delicia dolorosa de dividir meu coração com alguém além do meu pai e acredite realmente poder amar você livre das amarras do destino, você chegou a me fazer acreditar ser capaz de mudar a minha história, voltei a ser a criança crente nos contos de fadas com finais felizes. Mas da mesma forma que aconteceu com Kaori, me enganei. Talvez você sempre tenha se perguntado como vi sua morte e por que nunca te contei. Duas variantes salvaram você dos meus olhos vazios. A primeira foi o senhor Sojiru, o acidente de carro que o levou, na verdade, estava destinado a ser você. Contudo, a escolha dele em desistir deu à morte a compensação momentânea.

A outra ocasião foi quando disse para você não sair do colégio em hipótese alguma. Meu tio na verdade havia ido te alertar sobre o perigo da minha família, mas acreditei que ele era um inimigo e você também estava um passo à frente. Na minha visão, todavia, um tiro tiraria sua vida na ponte do Niágara. Essa, eu sabia, era a variante que poderia salvar o meu pai. Quando você escapou do meu tio, o curso da morte também mudou e foi quando tive a chance de interferir no preço da maldição. Um sacrifício voluntário era a única maneira de parar o ciclo de mortes, mesmo amando muito você, Aidan, esse sacrifício ainda foi feito para poupar a vida do meu pai. Você foi ferido por uma bala para salvar a vida dele e me deu tempo de cumprir o meu destino.

Olhos Vazios ✔ [EM REVISÃO]Onde as histórias ganham vida. Descobre agora