18. O Triste Senhor Sojiru

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Li Ka Hua

— Se sente melhor?

A voz de Kaori veio aos poucos se sobrepondo sobre o caos dos meus pensamentos. Abri os olhos devagar e fitei o céu claro acima de nós, nuvens branquinhas formavam desenhos estranhos e alguns pássaros solitários, vez ou outra, passavam sobre nós. Não conseguia sequer chorar, era como se eu estivesse seca ou estática demais para esboçar uma reação coerente. Estava nauseada e minha cabeça, que pesava, estava apoiada no colo de Kaori me fitando naquele instante com olhos preocupados. Um sorriso doce arqueou-se em seus lábios e ela me puxou de volta quando fiz menção de levantar.

— Fique deitada mais um pouco. — Recomendou. — Parece que foi ruim dessa vez. Assassinato?

— Como você sabe? — Questionei, a voz rouca e a sensação de ter areia na garganta.

— Hm... você falou muito enquanto chorava. — Comentou ela. — Sǐ, bù, Shāshǒu[1 Respectivamente: morte,não, assassinato.] foram as únicas palavras que consegui identificar no seu amontoado de frases. Precisa intensificar essas aulas de mandarim se quer mesmo que eu te entenda.

— Quanto tempo? — Murmurei ainda confusa.

— Uns dez minutos. — Respondeu me oferecendo uma garrafa de chá que aceitei. — Onde foi, conseguiu ver?

— Não muita coisa... beco escuro, latas de lixo, tatuagem de carpa...

— Tóquio. — Disse ela, enfática. — Tatuagem de carpa é uma marca da máfia, conseguiu ver a cor?

— Acho que era vermelha. — Não queria puxar na mente o assassinato daquela mulher. — Não tenho certeza.

— Não sei muito sobre isso, mafiosos usam esses desenhos para marcar o status no grupo. Se esse cara é um assassino e tem uma carpa vermelha, deve ser de um alto status de sangue dentro do seu grupo.

— Usar um animal tão corajoso para uma coisa tão cruel... — Suspirei. — Na China, a carpa simboliza perseverança, sucesso, longevidade. Na lenda, se na época de desova ela conseguir alcançar o topo do grande Huang Ho e saltar os vales de cascatas até a montanha Jishinhan ela se transforma em um dragão.

— Não é muito diferente da nossa versão. — Sorriu ela. — Você ainda está pálida, beba mais um pouco de chá. Não quer ir para casa? Posso acompanhar você.

— Estou bem... — menti — não vou perder as aulas por isso, só ia piorar as coisas.

— A bruxa do destino ataca novamente! — Brincou ela e mostrei-lhe a língua. — Vamos, pare de fazer essa cara de moribunda, não adianta sofrer por coisas que não podemos evitar, não é? O destino se encarregará de cumprir seu papel.

Kaori era sempre assim, cheia de vida e otimismo. Enquanto eu olhava seu sorriso despreocupado contemplando o céu de verão do telhado da escola, sentia dentro de mim uma angústia crescendo ao imaginar que, em algum momento, ela também partiria. Não tivera coragem de contar que, assim como a mulher da minha recente "visão", eu também havia visto sua morte há algumas semanas. Desde então havia ficado de olho nela o máximo que podia, mas sabia que nem sempre era algo que eu podia evitar. Infelizmente.

— Kaori-chan... — chamei-a, o nó em minha garganta se fechando.

— Hm? — Seus olhos castanhos e cheios de vida me fitaram curiosos.

— Prometa que, sempre após as aulas, vai sair da escola não importa o que aconteça? — Pedi.

— Por quê? — Quis saber. — Viu alguma coisa comigo?

Olhos Vazios ✔ [EM REVISÃO]Onde as histórias ganham vida. Descobre agora