14. Never gonna let you go

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4 meses antes

Acordei com a respiração acelerada e ofegante, tirando-me daquele terrível pesadelo. Senti uma mão em contato com a minha, atraindo meu olhar para de onde ela vinha. Era (s/n) com um olhar preocupado, sacudindo minha mão para conseguir uma resposta. Engoli a seco, observando que estávamos no meu quarto e parecia ainda estar de dia.
Esfreguei meus olhos para tentar afastar o sono de mim e sentei, estalando alguns ossos no caminho. A garota ao meu lado parecia bem acordada, diferente da minha pessoa.
- Teve um pesadelo. - Ela disse mais como uma afirmação do que como uma pergunta.
Assenti, não procurando respostas para seus métodos de ler minha mente de maneira tão eficaz.
- Se quiser me contar, estou aqui.
Neguei com a cabeça. Não que eu desejasse omitir o conteúdo de meu pesadelo, mas eu simplesmente não me lembrava. Tinha um péssimo problema para me lembrar de sonhos. Bastava apenas despertar que toda aquela linha do tempo que só minha mente conheceu ia embora sem possibilidade de voltar.
- Posso fazer uma pergunta?
(s/n) me encarou.
- Claro que sim.
- O que está fazendo aqui? Estranhamente, não me lembro.
- Como não se lembra? - A garota riu, dando-me um tapinha. - Combinamos de fazer maratona de animes, mas você dormiu como uma pedra.
- Isso foi ontem?
- Hoje mais cedo. Ainda são... - Ela se esticou para alcançar o relógio em cima do meu criado mudo. - Quatro horas.
- Ah - comentei, envergonhado. - Me desculpa. São os reflexos de noites estudando.
- Não tem problema - (s/n) respondeu. - Às vezes é bom ficar no completo silêncio.
Eu definitivamente concordava. Muitas vozes falam na cabeça de um ser humano, descartar momentos quietos era simplesmente contraditório.
- Usei essas horas pra pensar em algo importante - a garota continuou, mexendo nas próprias unhas pintadas de rosa.
- Tipo o quê?
- Quero contar pro Jimin que estamos nos vendo novamente.
Um nó se formou em minha garganta com uma facilidade admirável.
- Por que? - Foi só o que consegui pronunciar.
- Porque ele é meu irmão. Apesar de ser meio babaca, não me sinto bem escondendo as coisas dele. Ainda mais agora que passamos a ser amigos.
- Eu entendo. Quando?
- Hoje.
Arregalei os olhos. Estava aí mais um traço intrigante da personalidade de (s/n): quando ela tinha algo fixo em seus pensamentos, nada poderia a impedir de correr atrás daquilo.
- Não acha que está se precipitando?
- Acho que perder tempo é um erro.
- Bem, se é isso que você quer fazer, não irei te impedir.
- Ótimo. Você pode vir comigo?
- Sim - respondi imediatamente. - Vai dar tudo certo.
- Pode repetir isso?
- O que? - Perguntei confuso.
- Que vai dar tudo certo. Gosto de escutar você falando essas palavras.
Pisquei algumas vezes antes de realizar seu desejo.
- Vai dar tudo certo.
A garota sorriu, esticando os braços e me dando um abraço. Surpreso pela repentina atitude, demorei um pouco para corresponder, mas logo apertei-me contra ela, na esperança de que aquele momento não se dissipasse como todos os outros.
Lá estava eu mais uma vez na frente da casa dos Park, lugar onde no último ano minha vida tinha mudado drasticamente. Era o final da primavera, então flores ainda se faziam presentes nos canteiros e jardins, e naquela casa não era diferente. Roseiras cor de rosa enfeitavam a entrada da casa, e percebi que nunca havia reparado naquela decoração. (s/n) cutucou minha mão. Levantei meu olhar para encará-la.
- Não se preocupe. Qualquer coisa colocamos fogo na casa e fugimos na sua caminhonete rumo a Jeju.
Eu ri, sacudindo a cabeça em um nítido não.
- (s/a), eu nem tenho uma caminhonete.
- Você é muito chato, sabia disso?
A virei e coloquei as mãos sobre seus ombros, empurrando-a em direção a porta. Ficamos parados durante sabe-se lá quanto tempo, esperando que alguma coisa acontecesse, mas nada aconteceu.
- Quem sabe se você abrir a porta algo aconteça - comentei com um tom levemente sarcástico.
- Já teve uma sensação - ela começou. - De que já esteve nessa mesma situação?
- Pra ser completamente sincero, não. Você já?
- Sim, mas não sei como. É um déjà vu de algo que nunca vivi.
- Tipo alguma coisa relacionada a vidas passadas? - Brinquei. - Você está vendo doramas demais.
- Não, idiota. Algo tipo A Origem.
- (s/n), quer abrir logo essa porta?
Depois disso ela finalmente enfiou a chave na fechadura e a girou, abrindo a porta de casa. Continuava exatamente do mesmo jeito que eu me lembrava, talvez apenas um pouco mais fria. Deixamos nossos sapatos na porta antes de pisar no solo interior.
- O que ele está fazendo aqui?
Reconheci com uma rapidez que apenas anos de amizade poderiam oferecer a voz de Jimin vinda da escadaria que levava ao corredor de seu quarto.
- Precisamos conversar - (s/n) anunciou.
- Eu sei disso, mas por que trouxe ele?
- Nós todos precisamos conversar.
- Não tenho nada pra falar com ele.
- Quer parar de agir como se tivesse dois anos? Por que não desce aqui e vamos resolver essa situação de uma vez?
Jimin revirou os olhos e começou a descer as escadas, vindo em nossa direção. Seu olhar evitava o meu, e confesso que era um pouco doloroso. Entretanto, eu sabia que não podia me deixar abalar. Era algo muito maior do que qualquer um dos nossos egos que estava em jogo ali.
- Sobre o que quer conversar? - Ele perguntou.
- Sobre tudo. Não quero mais viver nesse clima de guerra que se instalou entre nós três. Isso não é você, Jimin. Isso não sou eu.
- Quem pode comprovar que não sou eu? Você por acaso já teve o mínimo interesse em perguntar como eu estou me sentindo? Acho que não. Você só se importa com o seu namoradinho.
- Nós não estamos namorando - esclareci.
Era verdade, não estávamos. E eu nem sabia se algum dia estaríamos. Foco, Jungkook. Foco no presente e não devaneios sobre o futuro.
- É lógico que me importo com você, Jimin. Você é meu irmão. Eu te amo, mas não posso permitir que isso continue. Qual é o problema?
- Tem muitos problemas, (s/n). Mais do que posso listar, mas não se importe comigo. Não vou ficar regulando a sua vida.
O silêncio depois daquilo não foi agradável, pelo contrário. Eu sabia que havia algo de errado com meu amigo, mas nossa intimidade havia se perdido totalmente.
- Tá tudo bem contigo? - Consegui perguntar.
- E você se importa com isso, Jungkook?
- Óbvio que sim. Vou me importar pra sempre, não interessa o quanto você me afaste, ou o quanto me rejeite. Você ainda é meu amigo mesmo que eu não seja mais seu.
Jimin soltou o ar de maneira pesada, como se estivesse o segurando por muito tempo.
- Essa conversa já deu o que tinha que dar.
- Jimin - (s/n) o chamou. - Não vá embora.
- Eu não vou embora. Estou aqui. No mesmo lugar. Pra sempre.
O garoto seguiu seu caminho de volta para as escadas. Algo nele estava me incomodando, botando meu radar para funcionar como não funcionava há um bom tempo. Não podia deixá-lo ir sem dizer alguma coisa. Mas o quê? O tempo estava se esgotando e ele indo embora. Poucos segundos para que eu pudesse expressar meus pensamentos sem um fracasso completo. Me aproximei da escada com as mãos dentro dos bolsos da calça, mas os olhos ávidos pelo rosto do meu amigo.
- Espero que um dia você possa me perdoar - disse de uma vez.
Jimin parou no meio da escada subitamente, seus ombros tensos podendo ser vistos de longe.
- Espero que um dia você possa me perdoar.
Depois disso ele desapareceu no corredor, deixando eu e (s/n) sozinhos na sala. Embora parecesse que tudo estivesse perdido, uma pequena chama de esperança se acendeu no meu peito. A garota se aproximou de mim, me abraçando por trás, encostando sua cabeça nas minhas costas.
- Tenho uma proposta.
- Qual?
- Vamos no shopping.
- Que papo é esse? Você odeia shoppings e sempre deixou isso claro pra qualquer um.
- Eu sei, mas quero comprar uma coisa. E se possível tomar um sundae.
Revirei os olhos, mas logo assenti.
Alguns minutos depois perambulávamos pelo shopping sem rumo algum, saboreando sorvetes deliciosos.
- Deixa eu contar uma história triste que aconteceu comigo esses dias.
- Sério, (s/n)? História triste? É pra assassinar o clima?
A garota riu, me dando um chute.
- Que mania é essa agora de ficar me espancando? Vou te denunciar.
- Não, seu palhaço. É que eu e Gaeul resolvemos começar a fazer taekwondo.
- Agora seu plano de me matar sorrateiramente pode ser concluído. Que horror.
- Ah! - Ela soltou um grito baixo. - Será que eu posso falar?!
Fiz um gesto de fechar minha boca com um zíper e voltei para meu sorvete de chocolate.
- Então, estávamos eu e Gaeul passeando pelas lindas ruas de Hongdae porque o Namjoon inventou que precisava ir lá pra fazer sei lá o que, quando surgiu a excelente ideia de ir no McDonald's comprar um sundae, porque, honestamente, lá tem o melhor sundae do mundo.
- E aí?
- Estava uma fila enorme. Quase pior que a do show do Red Velvet. Finalmente, depois de oitenta e quatro anos, chegou a nossa vez. Como sempre ela pediu um milkshake de baunilha e eu um sundae de morango. Aí que veio o absurdo.
- Qual foi o absurdo?
- Não tinha nada de morango. Foi muito frustrante.
- Tá foda a vida. Se até mesmo o McDonald's tá na merda, imagine a gente. Você pediu o que?
- Sorvete de chocolate. Na falta do ouro se usa a prata.
- Tem Starbucks em Hongdae? Faz uns trezentos anos que não vou lá.
- Kookie, Starbucks é pior que gripe. Tem em todo lugar.
Ri, concordando. De repente, a garota ao meu lado parou de andar, olhando fixamente para frente. Segui seu olhar com o meu e os fixei no casal que andava na nossa direção. Era Yoongi e... Espera. O que ela fazia ali?
Depois de um tempo, eles nos perceberam lá. Yoongi também parou de andar, e a garota que o acompanhava insistiu para que ele continuasse andando. Merda, estavam vindo na nossa direção. Não conseguimos escapar, logo eles estavam lá.
- Oi, gente. Como estão? - Areum perguntou.
- Muito bem - (s/n). - E vocês?
- Na medida do possível. Perdoem a minha curiosidade, mas por que estão aqui?
- O shopping é um lugar público - Yoongi respondeu a garota.
- Não, quis dizer, por que estão aqui sem o Jimin.
Cocei minha cabeça, (s/n) mordeu os lábios e Yoongi desviou o olhar.
- O que foi? Tem alguma coisa que eu não sei, né? - Areum questionou.
- Estamos juntos - tomei as rédeas para acabar logo com aquilo.
Areum arregalou os olhos, seguindo com um sorriso.
- Sério? Que bom! Embora eu me sinta um pouco constrangida por causa daquela nossa conversa uns meses atrás, (s/n).
- Não precisa se preocupar com isso, Areum. Como minha avó costumava dizer, são águas passadas.
- E vocês - tomei as rédeas mais uma vez. - Também estão juntos?
As bochechas do rapaz ficaram vermelhas e Areum juntou suas mãos em um ato afetivo.
- Bem, sim.
Um sorriso genuíno de felicidade se formou nos lábios de (s/n). Foi naquele momento que eu finalmente entendi sua relação com Yoongi. O que eu havia visto na festa na casa de Taehyung foi um efeito da bebida, ente os dois vivia uma amizade verdadeira. Aquele sorriso me comprovou tudo.
- Fico muito feliz por vocês dois, de verdade - ela disse. - Yoongs.
Ao ouvir a menção de seu apelido, ele levantou o olhar na direção da amiga.
- As coisas finalmente vão dar certo pra você.
Yoongi sorriu de lado, puxando todos nós para umas risadinhas sem fim.
- Falando nisso, vocês estão convidados pra festa de aniversário da Haera.
- Mas o aniversário dela não é junto com o seu? - Perguntei.
- É, mas o dinheiro atrasado do bar só veio agora. Ela disse não tinha problema, então pra mim tá beleza.
- O tema vai ser Sakura Card Captors - Areum comentou.
- Podem transmitir o convite pro Jimin? Não consigo falar com ele tem um bom tempo.
- Vou falar com ele - (s/n) respondeu.
- Ótimo. Vou passar os detalhes por Kakao.
- Temos que ir, senão vamos nos atrasar pro cinema. Qualquer dia apareçam. Vamos ver algum filme e reclamar de quem fica jogando pipoca nos outros - Areum chamou.
Assentimos, e com isso o casal se despediu e seguiu seu caminho.
- Areum é uma garota legal - (s/n) comentou. - Eu achava que ela não gostava de mim, mas pelo visto estava errada.
- Ela é legal sim. Acho que ela e Yoongi vão se dar muito bem.
- Tomara que tudo dê certo. Ele já sofreu demais pra quem tem apenas 24 anos.
- Vai dar certo pra todo mundo. Afinal, depois da tempestade sempre vem a calmaria.
Dito aquilo, puxei a garota para um beijo, querendo dar ênfase às minhas palavras.
Olhando de longe agora percebo que esse foi um dos meus erros.
A tempestade nem sequer havia começado.

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