18 meses antes do fim...

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O botão de subida do elevador havia sido acionado.

- Que demora. - Afonso pressionou outra vez o mesmo botão que apertara cinco segundo antes. - Estamos esperando no térreo. - gritou ele no vão da porta de aço.

- Se tivéssemos subido de escada, já estaríamos lá em cima. - Melina respondeu, o que fez Afonso apertar novamente aquele botão.

- Calma, amor. Ainda temos tempo. Relaxa.

O elevador que estava no subsolo do prédio, no estacionamento, começou a subir. As portas se abriram. Melina e Afonso entraram.

- Graças a Deus. Já estava considerando a possibilidade de seguir aquele seu conselho. - Afonso disse.

- Boa noite. - Melina disse ao homem de terno e óculos escuros nos fundos do elevador.

O homem por sua vez acenou a cabeça, mas não respondeu ao cumprimento que lhe fora feito. Afonso o avaliou por um momento e logo começou a rir. Melina o encarou sem entender o motivo para tanta risada.

- Afonso. Para. - ela o repreendeu.

Aquilo só o impulsionou a continuar com sua gargalhada debochada de uma piada que só ele sabia qual era. Melina apertou o botão de número três no painel a sua frente, o andar onde ela morava, mas ele já havia sido acionado. Ela olhou o estranho atrás de si. Ele era todo bonito, começando pelo cabelo loiro acinzentado muito bem cortado e emoldurado em um topete baixo. Seu terno era alinhado, justo em seu corpo grande e forte. Mas seu semblante era impassível, como se ele estivesse sozinho ali. Afonso parou com sua risada inconveniente e passou um braço ao redor da cintura de sua namorada.

- Quem usa óculos escuros a noite? Lembrei daquele filme: MIB, homens de preto. - ele sussurrou no ouvido dela. - Desculpe. Você é tão linda, sabia? - ele beijou sua bochecha e tentou avançar para a boca, mas ela meneou a cabeça para o lado oposto. - Qual é o problema? Estamos sozinhos aqui.

Afonso ignorou a presença do estranho.

- Você sabe que eu não gosto de elevadores. - Melina desconversou.

- Estou aqui para te proteger. Não se preocupe, amor. - ele tentou beijá-la novamente, o que a fez se afastar rudemente dele e esbarrar no homem atrás dela.

- Desculpe.

O homem não esboçou nenhum movimento e nem olhou em sua direção, o que a intrigou. Melina olhou para o painel à sua esquerda e já estavam passando do segundo para o terceiro andar. Um apito suave soou quando o elevador parou e a porta se abriu. Afonso foi o primeiro a sair. Seguiu carrancudo em direção ao apartamento onde Melina morava com a mãe, o que deteve brevemente a atenção do estranho. Ela estava saindo do elevador quando segurou a porta de aço, impedindo-a de se fechar.

- Sinto muito. Meu namorado é um babaca quando quer. - ela disse.

- E o que uma mulher como você faz ao lado de um cara como ele? Você parece ser mais esperta e inteligente do que o tipo que te acompanha.

A voz grave e marcante daquele homem a invadiu.

- Você não ia descer aqui? - ela perguntou ao liberar a porta, que começou a se fechar rapidamente.

- Em uma coisa devo concordar com aquele idiota. - o estranho disse e apertou o botão de descida.

- E o que é? - Melina perguntou, curiosa.

- Você é linda.

A porta do elevador se fechou, deixando-a em choque. Seu lado leonina falou mais alto e um sorriso bobo despontou em seus lábios.

'' Quem é você, senhor estranho?'', ela perguntou para si mesma antes de retirar um molho de chaves de dentro de sua bolsa e se dirigir para o seu apartamento, onde Afonso a esperava visivelmente irritado.


***


- Não sabia que tinha uma filha, doutora. - uma voz masculina disse.

Heloísa foi pega de surpresa. Manter a discrição, principalmente sobre sua família, era o que ela mais presava em sua linha de trabalho. Como ele havia descoberto sobre sua filha? Suas mãos começaram a tremer e antes que aquele homem pudesse ver, ela as enterrou fundo nos bolsos de seu jaleco.

- Fique longe dela. - ela disse entredentes, tentando não soar histérica.

- Então você tem uma filha. - o homem constatou e riu de seu blefe.

- Ela não tem nada a ver com o que fazemos aqui. Se encostar suas mãos sujas nela, eu...

- Guarde suas ameaças, doutora. Por enquanto não temos interesse nela, mas caso o trabalho que fazemos aqui seja divulgado ou vaze alguma informação que não deva para a mídia, terei que fazer uma visitinha a ela... Devo confessar, ela é muito bonita. E eu adoro garotas bonitas.

O homem entrou no escritório de Heloísa e retirou o paletó, apoiando-o no encosto de uma cadeira.

- Como vai o seu pai, soldado? Soube que ele não respondeu bem ao último tratamento. Posso ajudá-lo, se quiser.

Heloísa sentou-se sobre a mesa de sua sala e aguardou a resposta para a sua chantagem velada.

- Os médicos disseram que ele tem duas semanas. Se tiver sorte, viverá até o final do mês. Não há o que a senhora possa fazer por ele.

- Você se engana.

- A menos que você tenha a cura do câncer guardada na manga, não há o que você ou qualquer outra pessoa possa fazer nesse caso.

O homem andou ao redor da sala e parou diante de um dos armários onde Heloísa guardava bebidas que servia em ocasiões especiais. Ele serviu dois copos com uísque e ofereceu um a ela, que recusou. O homem sorveu o conteúdo dos copos em dois longos goles.

- Você tem razão. O foco das minhas pesquisas realmente não é a cura do câncer, mas isso não quer dizer que eu não possa ajudá-lo. Pós mortem, claro. - a médica disse.

- Do que está falando? Vai trazê-lo dos mortos como está tentando fazer com todos aqueles corpos? Você tem complexo de Deus, só pode. Sinto te informar, mas você não é tudo isso.

- Ele já assinou os papéis. Está doando o corpo para a minha pesquisa. - a mulher o desafiou.

- Desgraçada. Se encostar suas mãos nele, eu...

- Vejo que temos um acordo então. Seu pai pela minha filha. Ela não faz a menor idéia do que faço para viver.

- Ela ficaria enojada de como faz para pagar as contas.

- Foi o que apareceu e não me arrependo de assumir esse cargo. Se eu obter êxito nas pesquisas, você sabe que salvarei milhões de vidas. Ganharei um Nobel pelo que farei ao mundo.

- Quanta pretensão. - o homem riu friamente. - Já te falaram que quanto mais alto se sobe, maior é a queda?

- Espere e verás.

Heloísa se levantou e encarou seu diploma de medicina pendurado entre tantos outros na parede central de sua sala.

- Fique longe do meu pai. - o homem disse e recolheu seu paletó no encosto da cadeira.

Assim que a porta foi fechada com força o suficiente para tremer todo o prédio, a médica segurou-se na mesa onde havia se sentado pouco antes e respirou aliviada. O homem que acabara de sair dali não era apenas o supervisor designado para controlar todos os rumos daquela pesquisa, mas era também um assassino impiedoso. Ele não pensaria duas vezes antes de matar ninguém, muito menos sua filha, Melina.

Diário De Um Apocalipse Zumbi - O Despertar Dos MortosWhere stories live. Discover now