Capítulo 49

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   Com o coração na mão, toco a campainha da casa duas vezes. Ninguém atende de imediato, então, toco mais duas vezes e uma voz rouca surge no interfone do portão.
— Casa do Dr. Blanchard, bom dia.
   É Tânia.
— Tânia, sou eu, Esther, por favor, me deixe entrar.
— Sim.
   O portão é aberto automática e eu salto para dentro do local. Tânia surge pela porta da frente para me receber, e está com uma cara de quem não dormiu bem.
— Olá, senhorita Winkler.
   Abraço ela com angústia.
— Sei que veio atrás dele, mas o patrão saiu... na verdade, foi embora hoje cedo quando chegou de um lugar. — Da minha casa, para falar a verdade.
Ah, não — gemo baixinho, posando a mão na boca. — E agora, Tânia?
   Ela dá de ombros.
— Ainda dá tempo de fazê-lo desistir dessa loucura, eu acho.
   Ah! Ela acha. Reviro os olhos, impaciente. Vai demorar até eu chegar nesse bendito aeroporto.
   Bom, depende de qual aeroporto.
Qual aeroporto?
— Santos Drummond.
— Ah, droga! — bato os pés no chão. Aposto que ele já embarcou. Por que não acordou a tempo de ele não ir embora? Você é uma burra, Esther.
— Dá licença, Tânia.
   Saio em disparates dali, zangada e enervada, porque não sei mais o que fazer. Leonel já deve ter embarcado. Tento ligar para ele, mas só cai na caixa postal. Que saco! Viro uma esquina que dá acesso ao centro do Rio quando recebo uma ligação e sou obrigada a estacionar o carro num beco. Olho para a tela e vejo a fotografia de Yany.
— O que você quer, Yany? — digo meio irritada.
— O avião já decolou.
   Meu mundo gira de cabeça para baixo, minhas batidas cardíacas vão se acelerando à medida que a frase ecoa em meu cérebro. Fico firme para não chorar, mas é impossível, eu choro silenciosamente.
— Maryelli ligou aqui e disse. Volte para a casa, amiga, ele foi embora para sempre.
— Não — gemo em meu choro.
— Chega, Esther. Volte já para a casa — ordena ela sem paciência. — Espero você aqui em quarenta minutos.
   Eu desligo o celular sem forças para falar, sem forças para protestar e totalmente desarmada. O que ele pensa que está fazendo? Vai me punir mais ainda com sua mudança para Bordeaux. Eu não acredito que estou passando por isso e muito menos que perdi Leonel, para sempre. Ai, meu Deus! Só pode ser mais um alerta de que eu não pertenço a ele. Mas por que nos amamos tanto? É indescritível.
   As lembranças de horas atrás me vêem à cabeça. Estávamos tão felizes... a gente fez amor como nunca fizemos, ele tentou e conseguiu me surpreender e mostrar que se curou. Foi bom. E agora tudo acabou, definitivamente.


10:03 AM

Enche mais, por favor — digo ao barman de um bar muito luxuoso do Leblon que encontrei enquanto vagava por aí com o carro. O rapaz coloca limão picado na minha tequila.
— Mais alguma coisa, senhorita?
   A voz do cara é rouca, encaro-o para poder notar sua postura; alto, ereto, moreno, cabelos grisalhos, olhos castanhos, brincos em ambas orelhas e bem profissional.
— Não, obrigada.
   Já é o terceiro copo que viro na boca. O líquido queima minha garganta e passa rasgando meu estômago. Eu bebo mais um pouco, depois dou uma longa suspirada. Acho que o álcool está surtindo efeito, para piorar meu estado sentimental, a música que está rolando no ar do bar é de Chimarruts cantando Versos Simples, muito lenta e faz minha pele arrepiar. Tudo o que eu queira falar a Leonel está nessa canção idiota que atormenta meu âmago.
  
Sabe, já faz tempo que eu queria te falar...
Das coisas que trago no peito.
Saudades, já não sei se é a palavra certa para usar...

   Ah, que música linda. Essa canção me faz estremecer.

Não te trago ouro
Porque ele não entra no céu.
E nenhuma riqueza deste mundo.
Não te trago flores
Porque elas secam e caem ao chão.
Te trago os meus versos simples...

   O barman, que está bem à minha frente, preparando as bebidas alheias, me olha pelo canto do olho. De repente, sinto um ar fresco atrás de mim, é Yany. Argh! Será que nem para sofrer não tenho paz? Ela senta a meu lado.
— Me dá um suco de morango, por favor?
— Com álcool?
— Sem álcool.
   O rapaz obedece aos comandos de minha amiga. Eu bebo mais um pouco de tequila.
— Pare com isso agora mesmo — ordena ela, tomando meu copo.
— O que você quer? — minha voz sai embargada assim que encaro ela com o rosto inchado e os olhos vermelhos.
— Esther, é dez e pouco da manhã e você está num bar bebendo, desde quando faz isso?
   Emudeço totalmente, único movimento que faço é brincar com os dedos sobre o balcão.
— Ele foi embora para sempre — sussurro quase que para mim mesma, mas Yany escuta.
— Você pode recome...
— Não sem ele — interrompo ela com a voz cheia de tristeza.
— Eu sei como é. Me desculpe pelo sermão — ela toca meu ombro.
— Eu queria... — choro — poder ficar em paz e ser feliz com Leonel, me diz por que é que não dá certo?
— Não sei explicar, amiga. Por favor, não chore mais, seu rosto está inchado e vermelho.
— Eu quero morrer. Estou enervada, sem rumo, me sinto sozinha — choro.
— Eu estou com você, não se esqueça disso.
— É diferente, Yany. — Enxugo as lágrimas em meu rosto. — Estou falando da minha vida amorosa.
— Você pode conhecer outra pessoa.
— Não quero.
   Ela me envolve em seus braços, pendendo a cabeça na minha.
— Tudo ficará bem — murmura ela, enquanto a música termina.
   Como, minha querida amiga?

Minha estúpida coragemWhere stories live. Discover now