Capítulo 14

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   Agora sobrou só nós dois; a filha bastarda e perdida e o pai arrogante.
— Fale logo.
— Filha, me perdoe.
   Engulo em seco. Eu posso perdoá-lo, eu perdoo o Leonel todas as vezes. Mas quero que Athos sofra um pouquinho.
— Perdão! Eu aji mal, falei coisas que você não deveria ouvir. Eu me arrependo, filha, querida.
— Agora sou querida?
— Você sempre foi.
   Encaro-o nem um pouco feliz.
— O senhor me expulsou de casa na hora em que eu mais precisava, disse que eu não era sua filha, tirou tudo de mim, me jogou na rua sem nada e me tratou com uma vagabunda, e agora eu sou a querida?
   Ele passa a mão nos cabelos, exasperado.
— Por favor, filha.
— Athos, o senhor nem imagina o quanto precisei da sua ajuda. Mas, enfim, tudo acabou. Eu perdi o meu filho, o bastardo ou bastarda como o senhor dizia.
   Uma onda de choros toma conta de mim. Ele baixa a cabeça.
— Sinto muito.
— Tem que sentir mesmo. O senhor também tem culpa — rebato.
— E o pai? Quem era o pai, Marihá?
   Agora ele fala sério. Fico imóvel.
— Fale, minha filha. Quem foi o filho da mãe que te desonrou?
   Ah, céus! Vou ter que falar.
— O médico que vocês tanto confiam, Leonel Blanchard.
   Meu pai vira um pano branco. Seu corpo entra em chamas, seus olhos queimam.
— Leonel? Não pode ser.
   Uma enfermeira entra no quarto e olha a expressão do meu pai.
— Ei! O senhor está passando mal?
— Não! Cadê o Dr. Blanchard?
   Ah, não!
— Ele está aí no corredor — ela aponta com o dedo para a porta que está aberta.
— Chame ele.
   Droga!
— Pai, não.
   A enfermeira se retira. Ela põe a cabeça para fora do quarto e chama Leonel. Ele entra. Meu coração dispara.
— Pois não, Sr. Winkler.
   Meu pai levanta da cadeira.
— Então você é o maldito que deflorou minha filha.
   Leonel o encara, emudece por um tempo, mas depois fala, destemido:
— Sou eu mesmo.
— Ah! Ainda tem a cara de pau de confirmar simplesmente?
— O senhor queria a resposta, não? — ele dá de ombros.
— Eu vou acabar com a sua raça, seu miserável — ele fecha os punhos para bater em Leonel, mas ele esguia rapidamente.
— Calma, Sr. Winkler. Lembre-se de que o senhor está em um hospital.
— Pai, por favor, chega.
   Ele me olha.
— Filha, eu queria que você fizesse isso depois do casamento.
— Mas não deu, papai. Entenda.
— Tudo por culpa sua, seu...
— Eu reconheço o meu erro. Peço desculpas ao senhor. Eu adoraria retroceder essa história, para nunca ter tocado em sua filha.
— Eu vou colocar você na cadeia, custe o que custar — ameaça.
— Não! Ele não pode ser preso. Se o senhor fizer isso, papai, eu nunca vou perdoá-lo.
  Meu pai me olha incrédulo.
— Filha! Como você pode defender esse homem disfarçado de médico?
— Ah... Agora eu sou um falso médico? Então, eu corto as pessoas sem saber o que estou fazendo? O senhor está louco! — branda Leonel incrédulo também.
— Não ouse a falar assim comigo, rapaz.
— E o senhor não se atreva a caluniar minha profissão. Isso é coisa séria. Sei medicina mais do que o senhor imagina.
   Meu pai me encara.
— Meu Deus, filha! Como pôde fazer isso comigo? Meu sonho era casar você virgem, pura. Mas esse canalha... Esse...
— Pai, por favor.
— Athos, eu peço desculpas mais uma vez. Eu falhei. Desculpe.
— Desculpe! Agora é tarde, você já estragou a vida da minha filha. Escute aqui, rapaz, nunca mais encoste a mão na Esther. Eu vou fazer de tudo para ter ver longe dela — ele aponta o dedo na direção de Leonel.
— Vou ficar longe só quando eu estiver morto.
   Nossa, nunca pensei que Leonel pudesse dizer isso. É uma coisa tão bonita.
   Não, não é. Isso é obsessão. Ele vai matar você, ele vai matar você. Ele é louco.
   Não! Choro, enquanto os dois ainda estão em discussão.
— Que droga! Parem! Pai, saia daqui.
— Filha.
— Saia daqui. Os dois.
— Esther, eu não posso sair. Eu sou o seu médico.
— Eu disse para sair, Leonel — digo, rosnando entre os dentes. Ele me encara, impassível.
— Eu não vou sair.
   O quê?
Papai, quero trocar de médico urgentemente.
   Leonel fica nervoso. Eu vou dizer a verdade.
— Papai, o Leonel está colocando...
   Meu pai ouve atentamente. Leonel enrijece. Uma razão apropriada para ele não ser mais o médico responsável por mim. Emudeço de repente.
— Diga filha.
   Ai, meu Deus. Alguma coisa me diz para não revelar o que Leonel está fazendo.
— Nada.
— Como assim? O que esse cretino está fazendo com você?
— Os sedativos que estou aplicando são muito fortes para o corpo dela. Isso acontece porque a Esther emagreceu demais.
   Cínico! Como ele pode mentir tão bem? Meu pai parece estar se convencendo.
— O corpo dela é sensível.
— Oras, Leonel, procure um sedativo mais fraco. Quer matar minha filha?
   Ele está me matando.
Não.
   Apenas quer me dar uma lição, com certeza.
— Sr. Winkler, se me der licença... — ele abre a porta para o meu pai sair. — O horário de visitas acabou.
   Athos respira fundo com raiva de Leonel.
— Está bem.
   Ele me olha.
— Filha, voltarei mais tarde.
   Faço um gesto de cabeça em sinal de positivo. Ele sai do quarto. O silêncio ecoa entre Leonel e eu, mas ele é impertinente, vem até a cama e coloca uma mão de cada lado do colchão e me olha em divertimento. De quê?
— Esther, Esther, você achou que eu não ia ter argumento em relação aos remédios que estou lhe aplicando? Se enganou feio, minha bonequinha. Eu sou muito mais esperto do que você imagina.
— Cretino! — murmuro com a voz embargada. Ele faz beicinho ironicamente.
— Aah... Não chore, Marihá. Você me irritou agora. Sabe?... — seus dedos largos percorrem meu maxilar e vão até meus lábios. Não é o Leonel que está aqui. — Vou ter que aplicar mais sedativos. E mais, mais, mais...
— Chega!
— Shhh... — ele aperta minha boca, seus olhos ficam presos ali. — Eu não vou perder você para outro. Se não vai ser minha, não vai ser de mais ninguém.
   Ahn? Não! Ele está louco. Suas palavras são possessivas.
— Leonel, esse não é você.
— Claro que sou eu. O mesmo que seduziu você na cama, o professor que passava a mão nas suas pernas enquanto dava aulas.
   Sua boca fica próxima à minha. Não quero beijar esse cretino. Quer sim. Ele encosta os lábios pouco a pouco nos meus, e me beija, de língua. Ah! Estou fraca, não consigo levantar as mãos para afagar seus cabelos. Ele continua me beijando, com força na sua bendita língua. Ele beija bem. Choro em sua boca, mas ele não liga com os meus sentimentos. Um minuto depois, ele para e começa rir em meus lábios. O hálito dele é cheiroso.
— Posso beijar você a hora que eu quiser, Esther.
— Leonel.
   Ele cala minha boca rapidamente com outro beijo. Ele crava a mão nos meus cabelos. Eu me deixo levar por sua língua. Leonel pega meu lábio inferior e morde bem forte. Solto um gemido de dor, mas é uma dor gostosa. Ele morde mais uma vez, e ficamos um tempo nos beijando.

Minha estúpida coragemWhere stories live. Discover now